domingo, 19 de dezembro de 2010

Tron - O Legado


Você está entrando em uma área de spoilers. Be warned.

Assisti nesta sexta de estréia a inesperada continuação (bem, são vinte e oito anos) de Tron: Uma Odisséia Eletrônica, da Disney, onde a história se passa em um mundo digital, onde programas não só existem, mas vivem e reagem, como se estivessem em uma grande cidade.

Antes que alguém diga "Matrix?", cabe dizer que este só veio em 1999, portanto, 17 anos depois. Mas as semelhanças estão lá, sim, e são fortes. Natural, creio, embora a cena do Merovíngio em seu bar exclusivista tenha uma semelhança meio perturbadora. Outras obras também aparecem, de leve ou com maior semelhança, de 2001 a Guerra nas Estrelas ao Silmarillion (há um pôster dado momento de outra FC da Disney, O Buraco Negro. Na sessão de trivia da página do IMDB de Tron - O Legado, há a informação de que o diretor deste filme pretende fazer um remake do original pra 2012).


A comparação com o filme original é inevitável. Eu não vou passar pela questão dos efeitos visuais, mas cabe notar que ambos são cutting-edge em seu devido tempo. O original ainda teve ninguém menos que o ilustrador e quadrinista francês Moebius concebendo visualmente o mundo digital.

Como continuação, é a tal coisa. O Tron do título era um personagem secundário no filme original, aqui então, nem se fala. No filme original, os programas, no mundo digital, tinham o rosto de seu programador. Só que o ator principal na época era o Jeff Bridges, e seu programa se chamava Clu. Tron era o programa do amigo dele, vivido pelo ator Bruce Boxleitner, que está nesta continuação. Tron quase não apita: apesar de terem encontrado um motivo para ele mal aparecer de cara limpa, desconfio que o principal seja o motivo financeiro, pois a tecnologia para rejuvenecer Bridges (Clu reaparece, e programas não envelhecem - afirmação que pode gerar discussões, mas isso é pra outra hora) custou horrores, que dirá fazê-lo para um papel secundário.

Ainda, diversas citações e momentos do primeiro filme estão revividos aqui, turbinados pela cinematografia moderna sempre que possível. As lightcycles, os space demonoids e os tanques - tudo aparece, embora deixe um gostinho de quero mais.

A história, no final, acaba sendo sobre um cara que tenta encontrar o pai, desaparecido há vinte anos. Há uma mística sobre ele (o descobridor do mundo à parte de uma dimensão digital, gênio da informática que começou um império, etc.), e somente 'através do espelho' ele consegue encontrá-lo. Juntos, conseguem subverter a ordem vigente, opressora, fruto equivocado do trabalho do pai, e no caminho também se transformam, de algum modo.

Tirando isso... os efeitos são arrasadores, a ação é sensacional e a Olivia está cada vez mais Wilde. Assistam.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Duas adaptações...

Assisti a O Último Mestre do Ar e As Múmias do Faraó. O primeiro é a adaptação cinematográfica por M. Night Shyamalan da primeira temporada, fique claro, da série animada Avatar - A Lenda de Aang, aqui no Brasil tendo passado na Nickelodeon e Globo. O segundo nome, podre aliás, é para Les aventures extraordinaires d'Adèle Blanc-Sec, dirigido por Luc Besson, espécie de mestre do cinema pop francês, que nos deu pérolas como o original Nikita, Imensidão Azul e O Quinto Elemento.

O Último Mestre do Ar: cenários impressionantes, caracterizações nem tanto.

De Avatar, vamos lá. Eu me considero um grande fã da série, e venho desgostando dos filmes Shyamalan desde que ele cometeu Sinais. Quando soube que ele iria dirigir isto, passei um ano dizendo, 'ou isto vai ser muito bom, ou vai ser uma bomba federal'. Bem, curiosamente, nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Claro, minhas expectativas estavam no chão, especialmente depois que ouvi a vociferação coletiva contra este filme.

O que eu posso dizer é:

1) Mesmo se levando em conta os problemas de adaptação de obras mais longas - afinal, a mídia básica é a mesma: uma tela, e com os efeitos digitais de hoje em dia a linguagem de animação nem difere tanto assim da filmada -, o que temos é um excesso de informações. O filme parece truncado: muitos personagens que não são exatamente apresentados, muitas tramas apenas sugeridas, muitos relacionamentos não desenvolvidos. Lá pelas tantas, o filme me deu a impressão que eu estava assistindo um trailer de algo muito, muito mais longo. Um trailer, entretanto, de 1:40h de duração. E teria ainda que ver com quem não conhece a série, mas deu a impressão que era um filme para iniciados.

2) Visualmente é um desbunde. Representa excelentemente o que nos é mostrado na série. Mas isso diz que o visual é do cacete, não uma história.

3) O elenco, talvez pelo esquema truncado, não me pareceu convincente. Isso é meio ruim, acho, quando atores de carne e osso não conseguem te convencer que são aqueles personagens... de desenho animado.

O jeito é esperar pela próxima série, já anunciada, creio. A má recepção parece ter cancelado planos de se filmar as outras temporadas.

La tetéie, oui, la tetéie...

De ... d'Adèle Blanc-Sec, temos uma divertidíssima aventura na Paris dos 1911, bem-humorada e de ritmo acelerado, envolvendo uma valente novelista que busca resolver uma tragédia pessoal, envolvendo-se com múmias redivivas e pterodátilos. É baseado em uma HQ dos anos 70, belga, de mesmo nome, conforme a wiki. Aviso aos babões de plantão e pais preocupados: a tetéia que é personagem-título paga um peitinho básico, numa cena que destoa de todo o resto do filme. Ah, franceses. Pareceu ser o início de alguma franquia no cinema.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Save Caprica

Caprica, série derivada da Battlestar Galactica desta década, mal teve a segunda parte de sua primeira anunciada e já foi cancelada. Um outro spin-off, mais ao gosto de quem curte nave-robô-tiro foi já anunciada, Blood and Chrome. Os fãs de Caprica, entretanto, já se articularam em um movimento pela internet, Save Caprica.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

As Letais Lágrimas de Lois no Hyperfan

Tempim atrás fiz um fanfic baseado no desenho animado dos anos 40 do Super-Homem, e mandei pro Hyperfan, e finalmente foi publicado.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Steampunk Worldbuilding

Regardless of where on the factual-fictional spectrum your steampunk world rests, it’s important to remember that a steampunk setting, like any setting, should feel plausible and internally consistent. One of the biggest risks a writer new to steampunk fiction faces is trying to overstate the point. When you start trying to “prove” that the setting is steampunk, it inevitably feels forced and has the opposite effect. As with anything in writing, the objective is to incorporate the various themes and icons of the subject into the setting so that they feel real, just like any other feature of the landscape.
Sensacional, o artigo. Mais aqui.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A Estrada (por Victor Barone)

A resenha desta obra pós-apocalíptica pode ser encontrada no blog do meu prezadíssimo Barone, o Escrevinhamentos.

Ela recebeu uma adaptação em tempos recentes, com Viggo "Aragorn" Mortensen.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A Sorte dos Girinos


A Sorte dos Girinos
(Quartet, 1999), de Carlos Eugênio Baptista - o meu prezadíssimo Patati - é seu romance de estréia. Patati é mais conhecido por ser roteirista de história em quadrinhos, e profundo conhecedor do campo, como podemos ver em seu blog.

O livro tem uma estrutura epistolar, baseando-se em cartas e diários para apresentar personagens e enredo, terminado em diários da personagem central, conforme a história finalmente alcança o tempo presente. Em 12 capítulos, os 10 primeiros são cartas de resposta a Janete, que procura por um certo Tadeu, entrando em contato com diversas pessoas para tal. Nas cartas, diversas pistas do que na verdade ocorre vão sendo apresentadas, enquanto muita nostalgia por parte dos remetentes é apresentada, envolvendo conhecidos em comum e alegres fatos de uma época, mesmo de uma cidade, que apesar de poucos anos antes, menos e menos se torna conhecida por seus habitantes. Nostalgia pura a princípio, é importante ressaltar que as cartas soam como se fossem realmente de pessoas diferentes, mudando o estilo a cada capítulo. Alguns mais formais, outros casuais, e pelo menos um em uma espécie de dialeto próximo, ou preferência pessoal. Ao longo de cada um, Tadeu vai sendo revelado, de mais um garoto, no meio da turma, que chegou meio que por último, até alguém único, inesquecível, adorado por todos, com uma ou outra excentricidade, que marcou as vidas de quem o conheceu.

O livro se passa em um Rio de Janeiro de 2040, onde enormes torres são construídas, descaracterizando velhos bairros e vizinhanças, e sendo habitadas apenas por estrangeiros vindos do hemisfério norte, como se nada fosse. Do garoto do passado curtido a esta inevitável mudança, intriga, tecnologia ilegal, ação e tiroteio, tribos urbanas e cultos esotéricos - o Rio 2040o. de Patati é ainda uma cidade de beleza e do caos, cyberpunk cuja ambientação apenas lamentamos ver pistas e descrições indiretas (apenas os bairros da Ilha do Governador e de Fátima chegam a realmente participar, com menções ou passagens rápidas por alguns outros, de a quantas anda seus estados), janelas de um lá fora que ocorre apenas quando evocado, ao invés de uma explanação mais direta - melhor assim, por outro lado, pois sempre nos convida a preencher certas lacunas.

Apesar de tudo, é um livro com uma batida leve. A nostalgia, o carinho perdido, tudo isto ainda está conosco quando chega o clímax, as terríveis revelações e tudo o mais. E o estilo da narrativa, apesar de já àquela altura ser o de apenas da protagonista, ele próprio se transforma, mergulhando na poesia, apenas pelo apreciar da paisagem, reforça esta idéia - apesar de suspeitas minhas que a sanidade mental de Janete esteja por trás desta escolha. ;-)

Mas ao contrário do que pode se esperar de uma obra cyberpunk, como já foi dito, tudo termina com uma aposta na esperança, no dever cumprido a recompensa, e que de alguma forma, assim como o Rio continua lindo, o Rio continua sendo, sempre haverá um amanhã bem-vindo, sempre um amor para continuar vivendo.

A Sorte dos Girinos. Bela estréia, meu velho.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Eu Sou a Lenda

Eu Sou o Smith? Não, creiam: é muito melhor!

Prosseguindo no meu périplo sanguíneo, li Eu Sou a Lenda, de Richard Matheson, que recebeu três adaptações cinematográficas: uma de 1964, com Vincent Price, outra de 1971, com Charlton Heston, e uma mais recente, com Will Smith. Não assisti a primeira, mas a impressão que se colhe é que há uma ordem decrescente em termos de qualidade do texto desde a primeira adaptação. Havendo visto as outras duas, posso concordar que estes dois pontos formam uma reta.

Matheson é um escritor e roteirista que escreve até hoje, desde os tempos do Além da Imaginação original. É seu o que talvez seja o mais famoso episódio, Nightmare at 20000 feet, refilmado no longametragem do cinema de 1986, e mesmo parodiado nos Simpsons. Para a série original de Jornada nas Estrelas, escreveu The Enemy Within, uma ótima história sobre a necessidade do equilíbrio entre o Bem e o Mal em um ser humano. Os ótimos contos que acompanham no livro a história-título dão uma boa idéia de seu talento como roteirista, é fácil vê-los como algum episódio de Além da Imaginação, The Alfred Hitchcock Hour, ou congêneres.

A edição é da Novo Século, 296 páginas, e traz a história-título do livro, e ainda mais dez contos de Matheson. Para quem não conhecia nada, é uma oportunidade ótima de conhecer a obra do autor.

O livro abre com a própria, e é uma história fascinante de loucura, dor e desespero. Em resumo, Robert Nelville é o último Homo sapiens da Terra, após uma epidemia ter se alastrado pelo planeta e transformado, quem não morreu (de vez), em criaturas movidas pelo desejo de sangue. Ele se aquartela, noite após noite, em sua casa, fortificada contra ataques daqueles que, toda a noite, surgem para tentar pegá-lo. De dia, faz a manutenção dos estragos externos da noite anterior, procura novos víveres, e sai à procura de vampiros, dormindo, para liquidá-los. A sanidade de Nelville é corroída dia após dia, entrando em uma espiral auto-destrutiva envolvendo álcool e ataques de fúria, uma vez que parte de si se questiona, continuar para quê?

Talvez essa exploração do comportamento de Nelville seja o ponto alto do livro. Ele se torna alguém que qualquer um temeria, só de se deparar - conquistar a confiança de alguém como ele (e verdade seja dita, em um mundo como aquele), só se um pouco de força física estiver envolvido - leiam, e entenderão: como em Frankenstein, monstro quer afeto.

Por monstro, percebam: nem a civilização que ele se faz cercar - sua casa é o último baluarte disto, com luz elétrica, carro, música clássica à noite entre outros confortos e necessidades - o impede de se brutalizar. Era, afinal, alguém sozinho, que mesmo na ameaça noturna cotidiana, liderada por um conhecido quando vivo, podia encontrar o conforto da familiaridade.

Essa inversão de papéis progride até um final surpreendente, com questionamentos a respeito de normalidade.

Meus únicos poréns cercam a respeito de uma certa lógica interna - que não vou explicar para não estragar ainda mais - assim como um andamento entre a parte 3 e parte 4 da história: pareceu-me que há um salto no tempo indevido. Mas não é nada que desfigure essa grande história.

Para quem não conhece Matheson, o livro ainda traz dez contos, como disse acima:

Talentos Enterrados é simplesmente estranho, uma estranheza que desafia gêneros pré-estabelecidos.

O Quase Defunto e O Funeral são as histórias mais bem-humoradas - e se passam em funerárias.

Dança dos Mortos conta, em um futuro pós-apocalíptico, uma perturbadora história de mortos-vivos e um quê de "juventude transviada". Recebeu uma adaptação para a tela pequena alguns anos atrás.

Casa Louca se aproxima da história-título, ao enfocar um protagonista viciado em seu mau-temperamento, ao ponto de se infligir machucados inconscientes ou quase - fora como ele influencia o ambiente ao redor. Aproxima-se bastante da história-título, no aspecto da fúria autodestrutiva.

Dos Lugares Sombrios contrasta o que há de mais primitivo com o que há de mais civilizado, interna ou externamente. Sexo e magia negra do bom.

De Pessoa para Pessoa encerra o livro, com outra história que facilmente podemos visualizar em preto e branco, como em um episódio de uma série antiga. Loucura, vozes na cabeça, e um toque de humor negro.

São estes histórias que giram em torno de desespero, angústia, fúria, dor física e sangue. A prosa é rápida, como convém a um roteirista.

Uma última ressalva é que o livro merecia ser melhor cuidado. A edição da Novo Século derrapa com a tradução ("Fácil como uma torta!") e a revisão ("Begone, Van Helsing e Mina e Johnathan e os olhos injetados do Conde Drácula!") aqui e ali.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Editora Aleph pede sugestões

Moçada, a Aleph está pedindo sugestões de livros que eles possam publicar. Pitaqueiem à vontade. :)

terça-feira, 4 de maio de 2010

Anno Dracula


Havendo finalmente lido o romance de Bram Stoker, logo na entrada abaixo, peguei para ler o livro que me motivou a comprá-lo, um excelente lançamento da Editora Aleph.

A Aleph, para quem não lembra ou conheceu, anda fazendo as vezes da finada Editora Hemus, que nos anos 60 publicou muito material de ficção-científica, além até do feijão com arroz Asimov-Clarke de sempre. Mas infelizmente fechou, e é cada vez mais raro encontrar seus livros nos sebos da vida. É, para o fã, um serviço de utilidade pública!

Então, vamos lá: Anno Dracula (1992), por Kim Newman, é o que é chamado Ficção Alternativa: sobre a obra de outra pessoa, você cria a sua, com personagens de outros em novas situações propostas pelo novo autor. O caso mais conhecido é o da Liga Extraordinária, péssima adaptação cinematográfica de A Liga dos Cavalheiros Extraordinários, em que diversos personagens criados no Século XIX por diferentes autores são reunidos por suas experiências e capacidades únicas para lutar contra um grande perigo à Coroa e ao Império Britânico. Enquanto o filme pode se sustentar, se você não conhecer a história original, como algo maluquete-divertidinho que você esquece em cinco minutos; a HQ original é estupenda, figurando personagens como Alan Quartermain, Mina Harker, Capitão Nemo, etc.; usando como base seus contextos originais, mas que isto não atrapalhe o novo que é criado.

Anno Dracula parte de um princípio semelhante, pegando a história original de Bram Stoker e partindo do pressuposto de que, no confronto no hospício em Carfax, em que ele é pego sugando o sangue de Mina Harker, ele não foge, mas enfrenta e varre o chão com os heróis, morrendo Quincey Morris e Johnathan Harker no processo. Daí para fora, temos a ascensão social do Príncipe da Valáquia até se casar com a Rainha Vitória - e o Império Britânico agora está sob nova direção: os empalamentos públicos estão ai para mostrar isto.

Para montar seu novo governo, Drácula nomeia diversos vampiros para lugares-chave e cargos de comando; e começa o desfile de nomes conhecidos (ou nem tanto): o primeiro-ministro da Inglaterra, por exemplo, é o personagem de John William Polidori em seu romance de 1816 The Vampyr, um dos primeiros vampiros literários em língua inglesa, bem antes do romance de Bram Stoker. Para sua terrível Guarda Carpatiana, quatro outros vampiros são resgatados de obras diferentes e, munidos de brutalidade, presas, espadas e armaduras, são re-introduzidos nesta obra como sendo velhos soldados a comando de Drácula, ainda contra os otomanos.

A edição brasileira, aliás, conta com um compêndio onde cada personagem é identificado com sua obra e autores originais, e os personagens históricos recebem uma breve biografia. Como O. Aragão aponta em seu ótimo pósfácio, Newman não se prende à literatura somente, mas lançando mão de personagens ainda de televisão e cinema.

Não conhecer estes personagens, ou totalmente desconhecer literatura vitoriana, entretanto, não diminui o prazer da leitura. Na verdade, Newman põe em primeiro plano seus próprios personagens, utilizados antes e depois em outros de seus livros, especialmente Charles Beauregard e Mademoiselle Geneviéve Dieudonné (esta, recorrente em obras do autor).

Aliás... talvez esteja o único problema a mais que vi no livro: assim como Quentin Tarantino faz em seus filmes, o excesso de referências parece antes servir a um desfile de cultura da área focalizada antes que realmente sirva ao desenrolar ou ao ambientar da história em si. Como já me definiram, é a situação-piscadinha que o autor faz ao leitor/espectador: "Olha, sacaram quem é esse cara? Hein, hein? É daquele livro, naquela hora! *piscadinha, piscadinha*"

Creio que a tentação seja grande demais, às vezes, para um autor que tanto se apaixona sobre o que tanto pesquisa resistir. Mas isso não compromete a fluência da leitura, em hipótese alguma -- aliás, talvez seja esse o principal ponto de diferença de literatura vitoriana: ritmo.

Newman não poupa esforços em mostrar uma nova sociedade londrina de fim de Século XIX. Em algum dado momento não especificado desde os três anos que separam Drácula de Anno Dracula, a existência de vampiros é dada como factual, apenas outro fenômeno natural, por mais estranho e peculiar que seja: ao mesmo tempo em que, rapidamente, os vampiros vão se tornando a classe superior, ainda há vampiros em todas as situações financeiras e sociais, e a vida eterna não exatamente mudou para melhor as condições destas pessoas. O ato de morder e sugar o sangue virou mais uma ferramenta de prazeres, incluída na prática da prostituição. Não há exatamente o glamour que certas obras ou visões podem dar do fenômeno do vampirismo.

É uma Londres que não se apóia, para seus conflitos, apenas na dualidade vampiros x quentes, mas também é a Londres dos anarquistas, socialistas, republicanos de modo geral, descontentes e, consequentemente, perseguidos do novo regime. Recorte deste mundo, e para onde a ação vira e mexe corre, é o Toynbee Hall, o que talvez em termos de Brasil de hoje em dia fosse um centro voltado para questões de cidadania: ao mesmo tempo que tem uma ala médica - é uma cidade tão doente que mesmo seus vampiros são doentes -, há salas para aulas populares e palestras. Nele encontramos o primeiro personagem do romance original, o sobrevivente Dr. John Seward, pretendente de Lucy Westenra e diretor do hospício onde Renfield estava internado. É agora o diretor do Toynbee Hall.

A repaginação dos personagens originais de Bram Stoker que aparecem, é... excelente, no caso de Seward, nada elogiosa, no caso do bom Arthur Holmwood, um pouco decepcionante, no caso de Mina e... surpreendente, no caso de Lucy. ;-) Leiam, e entenderão.

Do formato epistolar do livro original, aliás, temos apenas um único diário, justamente o de Seward, onde vamos nos dando conta de sua loucura gradativa, e de todos os fantasmas do passado que ele não consegue se livrar. As passagens de seu diário acabaram se tornando das minhas favoritas, em um livro só com grandes passagens... e ainda: é também um livro, como no romance original, sobre o homem que não está lá. Sua influência distante, desta vez, é brutalmente evidente.

Assim como no romance original, Anno Dracula nos dá diversos enfoques do problema do vampirismo: embora os diários e cartas dos personagens de Drácula todos representassem facetas de um mesmo problema, em Anno Dracula temos esta sociedade, acima descrita, vista por diversos homens e mulheres, quentes ou frios, em qualquer posição de poder, minando a idéia de que o vampirismo em si é somente um, senão O, problema.

Ao mesmo tempo, a atenção desta sociedade tão caótica, com tantos pareceres, se vê circulando ao redor de um único evento: o assassinato em série de prostitutas vampiras - sim, Jack o Estripador é um caçador de vampiros. Isto é apresentado logo de cara no primeiro capítulo, disponível aqui. Sensacional. E seus crimes vão agitando cada vez mais uma Londres prestes a explodir, devido às suas implicações políticas que nem o criminoso tem consciência.

Os vampiros aqui são tratados de forma "acessível", digamos. Não são seres sobrenaturais, há a possibilidade de entendê-los sob a luz da ciência (embora a questão dos espelhos seja uma pergunta embaraçosa). Nas divagações de Seward, constantemente ele se queixa da teimosia de Van Helsing em se apegar aos mitos folclóricos de outrora. É um desdobramento interessante, na minha opinião, exatamente da aproximação cientificista do problema sobrenatural, que até pus na resenha abaixo. Bom ver que Newman não ignorou isto.

Além do espectro mais amplo, o político e o social, o vampirismo está como agente de transformação o tempo todo, e não somente dos efeitos especiais do estado dos mortos-vivos ou licantropia: mas transformar-se em de quem se absorve o sangue, por exemplo. Ou de quem se convive, de quem se mira como exemplo... não de maneira geral ou literal, mas como força transformadora de uma personalidade, embora nem todos percebam. Isso foi um toque genial por parte do autor.

Anno Dracula tem ainda três continuações, The Bloody Red Baron (I Guerra Mundial), Dracula Cha Cha Cha (em 1959) e Johnny Alucard, fazendo parte de seu próprio conjunto de obra. Espero que algum dia saia no Brasil.

domingo, 25 de abril de 2010

Drácula


L&PM Editora
Finalmente li.

Havia comprado Anno Dracula, pela Aleph, quando havia me dado conta de que eu nunca lera o romance original. Procurando por alguma edição em pocket, deparei-me com a da L&PM e me pus a ler antes do livro de Kim Newman, para ter uma idéia mais precisa do personagem: não dá para acreditar em tudo o que se vê em cinema, afinal.

Corroborando isto, de saída uma surpresa: diferente do filme de 92, nada de romances seculares, reencarnações de vidas e dramas passados, nada de personagens trágicos... Drácula é um vilão. Ponto. Sua única característica redentora é você amar odiá-lo!

O livro é epistolar, ou seja, baseado em cartas, diários pessoais e reportagens noticiosas. Não sei se por causa da tradução, não notei maiores diferenças entre os diários pessoais dos envolvidos, salvo pelo gênero: o estilo dos diários de Mina e Lucy era um pouco mais afetado, contrastando com a sobriedade dos de Johnathan e o Dr. Seward, mas só isto. Não me pareceu que, individualmente, houvesse um estilo próprio, vindo de uma personalidade convincente por trás dos escritos. Se foi a tradução ou uma limitação do autor, não saberia dizer.

Por ter este formato, o que mais me atraiu neste livro foi (salvo pela primeira parte, onde é narrado o infortúnio de Johnathan Harker em seu diário no Castelo Drácula, e algumas partes mais para o final) que tudo gira em torno do homem que não está lá: o noivo que não dá notícias, a escuna que surge com todos os tripulantes mortos em uma noite tempestuosa, o lobo que foge do zoológico, a donzela que vem sucumbindo de estranhos sonhos e uma misteriosa doença com sintomas bizarros.

Característica da literatura de época, o romance se perde em inúmeras elucubrações sobre emoções e sentimentos, registrados em cartas e diários. Isto pode ser um pouco maçante, confesso, a quem está acostumado a uma leitura mais leve ou ágil, especialmente nos dias de hoje. Outro aspecto que pode estar datado – eu acredito que isto sempre esteja depois do gosto do leitor – é a construção dos personagens: outra diferença do filme referido, os personagens tendem a ser idealizados, pois todos são gentis e virtuosos demais, sempre a concordarem uns com os outros, e de uma polidez à toda prova. Da mesma forma que Drácula é *mau*.

Se um texto prolixo e maniqueísmo podem afastar um leitor dos dias que passam, ficam as virtudes de certos andamentos do livro: a primeira parte, com Johnathan Harker no Castelo Drácula é muito boa, a angústia crescente do personagem é muito bem tratada, assim como o adoecer de Lucy Westenra - e sua posterior caçada, já transformada em vampira. O estado mental dos caçadores também é posto em dúvida aqui e ali, como no momento em que Seward nota que cavalheiros e índole e estirpe pulam o muro do cemitério à noite com certa indevida naturalidade...

Um aspecto que achei interessantíssimo foi, quando dei conta, de que a perseguição ao valáquio tomou contornos científicos: os personagens divisam um método, ao assentarem cada impressão e fato testemunhado ou ocorrido no papel e em um gravador de época, ao trocarem sempre informações entre si e fazerem questão de que todos estejam atualizados, ao fazerem uso de lanternas elétricas em suas investidas noturnas, sessões de hipnose, transfusão de sangue... há uma pesquisa experimental surgindo ai, que ainda inclui, nessas informações, as velhas superstições: se pôr uma rosa branca sobre a tampa de um caixão para que o vampiro dentro não consiga sair funciona, tá valendo. O uso de armas de fogo, modernas, é totalmente secundário: a impressão é que se derrota um monstro vindo das superstições do passado com uma mentalidade científica.

Contemporâneo a este romance, cabe lembrar que Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, é o pai da CSI moderna, ao descrever nos livros do detetive, e mais tarde mostrar o truque para a Scotland Yard, métodos de investigação de cenas de crime ao analisar amostras de solo deixadas, por exemplo, em pegadas ao lado de uma vítima.

Fecho Drácula com uma sensação de saldo positivo, sem dúvida... e louco para revê-lo e outros personagens em Anno Dracula. Reinvenções podem ser tão interessantes, senão mais, do que o original: recentemente soube que a reanimação do Monstro por Victor von Frankenstein por eletricidade captada de uma tempestade é invenção do cinema, por exemplo. Ainda tenho que conferir, decerto... mas isso fica pra próxima.

P. S. - link para esta resenha na Rede RPG.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Os Substitutos

Assisti somente em vídeo... er, dvd, há pouco tempo atrás. Lamentei não ter visto no cinema.

Não por qualquer razão visual em si, nem todo filme é Avatar: mas porque realmente é um filme muito bom, com uma história muito legal!

Baseado em uma História em Quadrinhos de mesmo nome (lançada pela Devir no Brasil), Os Substitutos se passa em um futuro próximo, onde próteses cibernéticas se aprimoraram a tal ponto que andróides completos guiados por telepresença substituem seus controladores no dia a dia em qualquer aspecto: do local de trabalho à uma rapidinha depois da boate.

E, como toda a boa história onde há um mundo perfeito, há um descontente.

Bruce Willys é um agente do FBI, passando por algumas crises de meia-idade: ao mesmo tempo em que sequer vê sua esposa em carne e osso sabe-se desde quando, sempre interagindo com ela através de seus substitutos, ele se questiona no que a sociedade se tornou: afinal de contas, as pessoas não têm mais que se arriscar, seus substitutos tomam todos os riscos, enquanto elas confortavelmente ficam em casa. É como se a vida via Internet – encontros virtuais, trabalho online, visitar outros países e lugares, etc. – ganhasse a rua: você não necessariamente é o que aparenta ser, e realmente ninguém está tão preocupado assim com isso. O filme tem grandes sacadas nesse ponto, e na minha opinião é onde realmente brilha. Como seria uma sociedade onde ninguém teria que se arriscar no dia a dia, com um grau de conforto material relativo e, como em um MMO – o mais autêntico Second Life? –, em caso de morte, com a ressurreição logo ali, adquirível na loja da esquina?

Devido ao conforto e à segurança, o filme parte do princípio em que a maioria dos crimes desce de maneira vertiginosa: até que um assassinato ocorre, e de maneira impensável, com a destruição de um substituto matando a quilômetros dali o seu piloto. E assim começa a história. Temos a investigação, que vai levar a uma grande conspiração, um mcguffin, um clímax... a coisa vai bem nos conformes. O clímax é interessante, envolvendo um “despertar planetário” – voltarei a isso mais abaixo.

Há uma cultura de descontentes, que vêem nos substitutos algo fundamentalmente errado, e ganham na justiça o direito de viver em “reservas”, como se fossem indígenas, livre da presença dos andróides. Não dá para simpatizar com eles: suas áreas são sujas, eles são feios (demais), tudo dá uma impressão de desorganização e desleixo – e violência e ignorância. Os modernos selvagens nada têm de nobre, mas de ignorantes e truculentos; acho que a idéia era mostrar algo entre o sobrevivencialista e o white trash típico americano. Curiosamente, veio à lembrança a reserva de Malpais em Admirável Mundo Novo, onde se viva fora do paraíso em condições semelhantes: não necessariamente há uma falta material que explique o desleixo.

Se o selvagem nada tem de nobre, entretanto, o ‘civilzado’ tampouco: termos pejorativos de intenções racistas são ditos aos que saem à rua sem seus substitutos, ao ponto em que ‘humano’ é dito como se fosse uma desvantagem. Casando com isto, há uma cena de Willys, tentando sair na rua já sem seu substituto, apenas para ser tomado por um princípio de pânico, com tanto espaço aberto e ao mesmo tempo tantos substitutos passando rapidamente por ele, esbarrando o tempo todo: se podemos pensar que isto seria uma falta de sintonia fina da movimentação das máquinas, há o grande contraste de um Bruce Willys cambaleante e inseguro, ferido, velho, sendo atropelado por uma beleza e perfeição que marcha e não se detém por ninguém. Não sei se era a intenção, mas achei uma ótima metáfora para a seleção natural. :)

Acima, falei do ‘despertar planetário’ do clímax do filme, ou seja, um evento onde, presumivelmente, toda a população humana passa por uma mesma situação, uma mesma experiência transformadora, independente da latitude ou da longitude em que se encontram: há algo parecido na série e no livro Flashforward, ou do estágio final de O Fim da Infância, de Arthur C. Clarke. Isto tem a ver com a decisão, ao final do filme, que Willys dá ao destino do mundo, logo após derrotar o vilão, que queria o fim dos substitutos para libertar a raça Humana, ao custo da vida de milhões de usuários. Willys, entretanto, tem o meio de poupar vidas, mas não o maquinário, e ele escolhe isto como sua visão de um mundo melhor: umas das cenas finais mostra pessoas de roupão, ou pijama, saindo de suas casas, inseguras, olhando para a rua do lado de fora com seus próprios olhos pela primeira vez em anos. Wall-E, alguém?

Embora capte perfeitamente a mensagem do filme, eu não sei se concordo plenamente com essa decisão: pessoas decidiram por conta própria viverem assim, afinal de contas. Por que alguém acha que pode julgar melhor a vida de milhões de pessoas? Claro que uma vida de conforto material excessivo estraga o ser humano como pessoa, disto eu entendo plenamente, e a tecnologia é apresentada como uma armadilha que docemente se fecha sobre a raça humana. Se não me engano, há textos de religiões orientais que falam da natureza ilusória do que se apresenta como realidade, o que escraviza o Homem. Este assunto foi abordado de forma mais literal pela trilogia The Matrix, por exemplo, o que deixa Os Substitutos com um certo grau de parentesco aqui. Entendo também que certas coisas, quanto mais se discute, menos se age, conclui ou principalmente renova... o descontente passa a ser o salvador de todos, embora muitos possam até se perguntar, “mas do que, mesmo?” :-)

Pelo menos, na onda de “Escolhidos Por Uma Força Maior”, Tom Greer é apenas um mero mortal, com a força de caráter de ir até o fundo de um crime, contra tudo e contra todos, homens e máquinas.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Pandorum

Resenha minha deste filme no site da RedeRPG.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Podespecular.

Fim de semana passado participei de um podcast sobre Literatura Especulativa, o Podespecular. Divertido. Na pauta, dois livros com toda a pinta de servir de base ao filme Avatar: The Word for World is Forest, de Ursula K. LeGuin e Call me Joe, de Poul Anderson.

Foi hospedado por Paulo Elache, desenvolvedor da idéia, e com a participação ainda de Edgar Coelho. Muitas considerações sobre ambos os livros, o filme, o que se quis dizer com aquilo tudo, querendo ou não os autores... :) ... nerdalhada da boa. Quando sair, eu apito.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O Fim da Infância, de Arthur C. Clarke...

... ganhando nova edição pela Aleph. O primeiro capítulo pode ser acessado aqui.

É um dos (vários) grandes livros do mesmo co-autor de 2001 - Uma Odisséia no Espaço. Merecia, de fato, uma nova edição por aqui.

Previsão para Fevereiro.