domingo, 25 de abril de 2010
Drácula
Havia comprado Anno Dracula, pela Aleph, quando havia me dado conta de que eu nunca lera o romance original. Procurando por alguma edição em pocket, deparei-me com a da L&PM e me pus a ler antes do livro de Kim Newman, para ter uma idéia mais precisa do personagem: não dá para acreditar em tudo o que se vê em cinema, afinal.
Corroborando isto, de saída uma surpresa: diferente do filme de 92, nada de romances seculares, reencarnações de vidas e dramas passados, nada de personagens trágicos... Drácula é um vilão. Ponto. Sua única característica redentora é você amar odiá-lo!
O livro é epistolar, ou seja, baseado em cartas, diários pessoais e reportagens noticiosas. Não sei se por causa da tradução, não notei maiores diferenças entre os diários pessoais dos envolvidos, salvo pelo gênero: o estilo dos diários de Mina e Lucy era um pouco mais afetado, contrastando com a sobriedade dos de Johnathan e o Dr. Seward, mas só isto. Não me pareceu que, individualmente, houvesse um estilo próprio, vindo de uma personalidade convincente por trás dos escritos. Se foi a tradução ou uma limitação do autor, não saberia dizer.
Por ter este formato, o que mais me atraiu neste livro foi (salvo pela primeira parte, onde é narrado o infortúnio de Johnathan Harker em seu diário no Castelo Drácula, e algumas partes mais para o final) que tudo gira em torno do homem que não está lá: o noivo que não dá notícias, a escuna que surge com todos os tripulantes mortos em uma noite tempestuosa, o lobo que foge do zoológico, a donzela que vem sucumbindo de estranhos sonhos e uma misteriosa doença com sintomas bizarros.
Característica da literatura de época, o romance se perde em inúmeras elucubrações sobre emoções e sentimentos, registrados em cartas e diários. Isto pode ser um pouco maçante, confesso, a quem está acostumado a uma leitura mais leve ou ágil, especialmente nos dias de hoje. Outro aspecto que pode estar datado – eu acredito que isto sempre esteja depois do gosto do leitor – é a construção dos personagens: outra diferença do filme referido, os personagens tendem a ser idealizados, pois todos são gentis e virtuosos demais, sempre a concordarem uns com os outros, e de uma polidez à toda prova. Da mesma forma que Drácula é *mau*.
Se um texto prolixo e maniqueísmo podem afastar um leitor dos dias que passam, ficam as virtudes de certos andamentos do livro: a primeira parte, com Johnathan Harker no Castelo Drácula é muito boa, a angústia crescente do personagem é muito bem tratada, assim como o adoecer de Lucy Westenra - e sua posterior caçada, já transformada em vampira. O estado mental dos caçadores também é posto em dúvida aqui e ali, como no momento em que Seward nota que cavalheiros e índole e estirpe pulam o muro do cemitério à noite com certa indevida naturalidade...
Um aspecto que achei interessantíssimo foi, quando dei conta, de que a perseguição ao valáquio tomou contornos científicos: os personagens divisam um método, ao assentarem cada impressão e fato testemunhado ou ocorrido no papel e em um gravador de época, ao trocarem sempre informações entre si e fazerem questão de que todos estejam atualizados, ao fazerem uso de lanternas elétricas em suas investidas noturnas, sessões de hipnose, transfusão de sangue... há uma pesquisa experimental surgindo ai, que ainda inclui, nessas informações, as velhas superstições: se pôr uma rosa branca sobre a tampa de um caixão para que o vampiro dentro não consiga sair funciona, tá valendo. O uso de armas de fogo, modernas, é totalmente secundário: a impressão é que se derrota um monstro vindo das superstições do passado com uma mentalidade científica.
Contemporâneo a este romance, cabe lembrar que Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, é o pai da CSI moderna, ao descrever nos livros do detetive, e mais tarde mostrar o truque para a Scotland Yard, métodos de investigação de cenas de crime ao analisar amostras de solo deixadas, por exemplo, em pegadas ao lado de uma vítima.
Fecho Drácula com uma sensação de saldo positivo, sem dúvida... e louco para revê-lo e outros personagens em Anno Dracula. Reinvenções podem ser tão interessantes, senão mais, do que o original: recentemente soube que a reanimação do Monstro por Victor von Frankenstein por eletricidade captada de uma tempestade é invenção do cinema, por exemplo. Ainda tenho que conferir, decerto... mas isso fica pra próxima.
P. S. - link para esta resenha na Rede RPG.
terça-feira, 6 de abril de 2010
Os Substitutos
Assisti somente em vídeo... er, dvd, há pouco tempo atrás. Lamentei não ter visto no cinema.
Não por qualquer razão visual em si, nem todo filme é Avatar: mas porque realmente é um filme muito bom, com uma história muito legal!
Baseado em uma História em Quadrinhos de mesmo nome (lançada pela Devir no Brasil), Os Substitutos se passa em um futuro próximo, onde próteses cibernéticas se aprimoraram a tal ponto que andróides completos guiados por telepresença substituem seus controladores no dia a dia em qualquer aspecto: do local de trabalho à uma rapidinha depois da boate.
E, como toda a boa história onde há um mundo perfeito, há um descontente.
Bruce Willys é um agente do FBI, passando por algumas crises de meia-idade: ao mesmo tempo em que sequer vê sua esposa em carne e osso sabe-se desde quando, sempre interagindo com ela através de seus substitutos, ele se questiona no que a sociedade se tornou: afinal de contas, as pessoas não têm mais que se arriscar, seus substitutos tomam todos os riscos, enquanto elas confortavelmente ficam em casa. É como se a vida via Internet – encontros virtuais, trabalho online, visitar outros países e lugares, etc. – ganhasse a rua: você não necessariamente é o que aparenta ser, e realmente ninguém está tão preocupado assim com isso. O filme tem grandes sacadas nesse ponto, e na minha opinião é onde realmente brilha. Como seria uma sociedade onde ninguém teria que se arriscar no dia a dia, com um grau de conforto material relativo e, como em um MMO – o mais autêntico Second Life? –, em caso de morte, com a ressurreição logo ali, adquirível na loja da esquina?
Devido ao conforto e à segurança, o filme parte do princípio em que a maioria dos crimes desce de maneira vertiginosa: até que um assassinato ocorre, e de maneira impensável, com a destruição de um substituto matando a quilômetros dali o seu piloto. E assim começa a história. Temos a investigação, que vai levar a uma grande conspiração, um mcguffin, um clímax... a coisa vai bem nos conformes. O clímax é interessante, envolvendo um “despertar planetário” – voltarei a isso mais abaixo.
Há uma cultura de descontentes, que vêem nos substitutos algo fundamentalmente errado, e ganham na justiça o direito de viver em “reservas”, como se fossem indígenas, livre da presença dos andróides. Não dá para simpatizar com eles: suas áreas são sujas, eles são feios (demais), tudo dá uma impressão de desorganização e desleixo – e violência e ignorância. Os modernos selvagens nada têm de nobre, mas de ignorantes e truculentos; acho que a idéia era mostrar algo entre o sobrevivencialista e o white trash típico americano. Curiosamente, veio à lembrança a reserva de Malpais em Admirável Mundo Novo, onde se viva fora do paraíso em condições semelhantes: não necessariamente há uma falta material que explique o desleixo.
Se o selvagem nada tem de nobre, entretanto, o ‘civilzado’ tampouco: termos pejorativos de intenções racistas são ditos aos que saem à rua sem seus substitutos, ao ponto em que ‘humano’ é dito como se fosse uma desvantagem. Casando com isto, há uma cena de Willys, tentando sair na rua já sem seu substituto, apenas para ser tomado por um princípio de pânico, com tanto espaço aberto e ao mesmo tempo tantos substitutos passando rapidamente por ele, esbarrando o tempo todo: se podemos pensar que isto seria uma falta de sintonia fina da movimentação das máquinas, há o grande contraste de um Bruce Willys cambaleante e inseguro, ferido, velho, sendo atropelado por uma beleza e perfeição que marcha e não se detém por ninguém. Não sei se era a intenção, mas achei uma ótima metáfora para a seleção natural. :)
Acima, falei do ‘despertar planetário’ do clímax do filme, ou seja, um evento onde, presumivelmente, toda a população humana passa por uma mesma situação, uma mesma experiência transformadora, independente da latitude ou da longitude em que se encontram: há algo parecido na série e no livro Flashforward, ou do estágio final de O Fim da Infância, de Arthur C. Clarke. Isto tem a ver com a decisão, ao final do filme, que Willys dá ao destino do mundo, logo após derrotar o vilão, que queria o fim dos substitutos para libertar a raça Humana, ao custo da vida de milhões de usuários. Willys, entretanto, tem o meio de poupar vidas, mas não o maquinário, e ele escolhe isto como sua visão de um mundo melhor: umas das cenas finais mostra pessoas de roupão, ou pijama, saindo de suas casas, inseguras, olhando para a rua do lado de fora com seus próprios olhos pela primeira vez em anos. Wall-E, alguém?
Embora capte perfeitamente a mensagem do filme, eu não sei se concordo plenamente com essa decisão: pessoas decidiram por conta própria viverem assim, afinal de contas. Por que alguém acha que pode julgar melhor a vida de milhões de pessoas? Claro que uma vida de conforto material excessivo estraga o ser humano como pessoa, disto eu entendo plenamente, e a tecnologia é apresentada como uma armadilha que docemente se fecha sobre a raça humana. Se não me engano, há textos de religiões orientais que falam da natureza ilusória do que se apresenta como realidade, o que escraviza o Homem. Este assunto foi abordado de forma mais literal pela trilogia The Matrix, por exemplo, o que deixa Os Substitutos com um certo grau de parentesco aqui. Entendo também que certas coisas, quanto mais se discute, menos se age, conclui ou principalmente renova... o descontente passa a ser o salvador de todos, embora muitos possam até se perguntar, “mas do que, mesmo?” :-)
Pelo menos, na onda de “Escolhidos Por Uma Força Maior”, Tom Greer é apenas um mero mortal, com a força de caráter de ir até o fundo de um crime, contra tudo e contra todos, homens e máquinas.