A Cidade e as Estrelas (1956), por Arthur C. Clarke
Spoilers zone ahead.
Curiosamente, procurando material para estes comentários, eu me deparei com este artigo na wikipedia que conta que The City and the Stars é a reescrita do mesmo autor de Against the Fall of the Night, que eu não conhecia. Apesar das muitas mudanças, a primeira versão nunca deixou de cair no gosto dos fãs.
A história é passada em alguns bilhões de anos no futuro, e nos apresenta Diaspar, a última cidade da raça Humana, fisicamente bastante similar tudo considerado, um modelo de ambiente de perfeição auto-sustentada. Diaspar é totalmente - salvo por túneis de ventilação - isolada do mundo ao redor, do qual só um imenso deserto pode ser visto, protegida por um enorme domo opaco. Dentro, o conforto material e intelectual dos estáveis dez milhões de habitantes vem sido mantido com perfeição pelas máquinas criadas há tanto tempo, especialmente pelo Computador Central - e como em toda a utopia, sempre tem um chato.
E ele é Alvin, que nunca não se satisfaz com tudo dado de mão aberta em Diaspar: desde cedo, ele quer ir além de suas fronteiras, mesmo que o que demonstra existir do lado de fora não seja exatamente encorajador.
Entra em cena Khedron, o Bufão de Diaspar, sempre disposto a agitar um pouco da ordem pública da cidade, dando a Alvin ferramentas para ir adiante com sua inusitada e preocupante mania. No que resulta disso, nem Khedron consegue enfrentar.
Ocorre que um bilhão de anos de Diaspar são montados em premissas falsas, que começam a cair quando Alvin descobre uma outra cidade, bastante diferente de Diaspar, Lys (que é mais uma região com diversas vilas), situada bem além do deserto ao redor de sua cidade.
A sociedade em Lys é bastante diferente da projetada em Diaspar. Lys não só conhece a presença de Diaspar, como a monitora. Em Lys, as pessoas levam um modo de vida voltado ao cultivo do solo (há uma natureza exuberante naquele terreno), com alguma vantagem tecnológica: mas são todos hábeis telepatas, fruto do planejamento genético e evolução após um bilhão de anos, sendo ainda grandes geneticistas e biólogos; enquanto que em Diaspar vivem dez milhões de diletantes ("todos são artistas"), dependendo inteiramente de máquinas para o que for. Os habitantes de Lys nascem e morrem em cerca de dois séculos, os de Diaspar são gerados já crescidos pelo Computador Central e tutorados por casais dispostos a ajudar nos primeiros vinte anos, para ajuste social e enquanto suas memórias não florescem - é como se já nascessem sabendo, resultado de inúmeras vidas com circuitos de memória armazenados após mil anos por vida, quando em geral decidem que já "está bom" e têm os corpos desmanchados pelo sistema da cidade. Sim: sexo, somente, para recreação. Utopia, pois. O critério de reinserção dos que já morreram na sociedade é de acordo com uma estatística de perfil de compatibilidade.
É óbvio que ambas as sociedades estão em isolamento e estagnação, devido a um grande temor do passado, e que precisam romper isto: a arcadiana Lys e a tecnológica Diaspar.
Há uma forte semelhança entre Alvin e Neo, da - por enquanto - trilogia The Matrix: ambos vêm de uma última cidade do Homem, criada por temor a um inimigo externo. E, principalmente: ambos são variações únicas de seus respectivos meios criadas pela máquina de tempos em tempos para testar o sistema, e levar tudo e todos a um novo patamar.
Para retratar o quão longe o ser Humano foi, Clarke abusa dos números: as estimativas mais modestas são na casa de mil anos. Seres e eventos de milênios, milhões e bilhões de anos perambulam pela história - grandiosidade que faz parte do sense of wonder que o autor é um mestre.
No final, A Cidade e as Estrelas acaba sendo uma história sobre eternidade - uma que mostra que nada dura para sempre.
244 p.
Editora Nova Fronteira