domingo, 16 de novembro de 2014

Interestelar


Não deveria se chamar Intergalactic? 

Interestelar tem o grande mérito de ser uma produção hollywoodiana de FC que não é space opera pew-pew-pew: nada contra, mas muito a favor de variedade. Com Gravidade, de Cuarón, talvez aponte para uma saída ocasional dentro do gênero.

Visualmente é estarrecedor, com imagens do sistema solar e além na beleza e quietude de hard science-fiction, desde Saturno com seus anéis até o voo através do wormhole próximo e a tal simulação gráfica de como um buraco negro pode ser que seja aos nossos olhos, realizada inclusive para o propósito do filme. Que o filme bebe diretamente de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, é óbvio: aliens transcendentes tentam se comunicar com seres Humanos para fins ou por intenções não exatamente claros. Sendo a comparação inevitável, não me furtarei à ela.

Outro tema que pode ser ligado a 2001 é o da viagem ao desconhecido, e todos os riscos envolvidos. Viagem e solidão estas que em 2001 não usam de um componente importante como sendo o de quem você deixa para trás. A saudade que aperta e não pode ser recuperada, esse fator humano é posto de lado na obra de Kubrick/Clarke. Entretanto, a solidão do viajante é perturbada pela presença de mais de duas pessoas (Frank Poole estava com Dave Bowman até o famigerado “acidente” com a unidade na antena AE-35) e, principalmente, pela fala. No que 2001 é um dos filmes mais silenciosos da era do cinema falado, fala-se pelos cotovelos em Interestelar.

Percebam: o filme começa bem, com um discurso – é meio cheio deles… – sobre a necessidade do voo espacial enquanto fomentador de sonhos e inspirações das gerações futuras. Isso é MUITO bem-vindo nos dias que passam, extremamente feliz ao ser aventado, pena que tão pouco aproveitado, e não mais citado – explicitamente – mais tarde.

Agora, quando leis da física e do que não é física nem aqui, nem na China, começam a ser elaborados e elucubrados, a coisa fica rocambolesca e o que é pior, com ares de seriedade desnecessários. Mas já com seus “Batmans” (ok, não gosto deles), o diretor Christopher Nolan me parece que sofre deste mal.

O roteiro de 2001 é de Arthur C. Fucking Clarke: não somente escritor de ficção-científica extraordinaire, mas também matemático, sempre antenado com as mais recentes descobertas científicas das quais usava para montar suas tramas, sendo conhecido como um expoente da ficção-científica hard.

O de Interestelar é por Kip Thorne, físico teórico de mão cheia, cuja obra inspirou o filme também atuando como consultor científico e produtor-executivo. Também escreveu "A física de Interestelar", e um amigo físico disse que a parte da astrofísica está ok, até onde ele viu: abaixo dessa esfera é que estão os probleminhas de concessão em prol do plot.

Bem, não vou me estender aqui, para não bancar o chato: mas se você vai propor uma história de hard s. f., então não sugira planetas habitáveis em órbita de buracos negros. Não me parece que façam bem à existência – at all, inclusive – de cadeias de hidrocarbonetos e outros etcs.

O resultado é que Nolan mira no Kubrick, mas acerta no Spielberg.

A pecha para filmes grandiosos está lá, mas não a liberdade de algum “family magic” em que finais felizes e valores familiares acima de tudo devem imperar, mesmo que destoem do que parece ser o filme, originalmente: no caso, a premissa do abandono de quem se ama. O trecho final do filme parece servir à “ditadura da felicidade”, lembrando-me de Inteligência Artificial, não por acaso um filme de Kubrick assumido por Spielberg, sendo uma montagem meio rápida, sem maiores explicações, para garantir o final feliz, o reencontro e o amor acima das dimensões – até O Quinto Elemento resolve isto melhor... –; ficando apenas sugerido a concretização do discurso inicial do filme: uma civilização como a nossa, que desistiu oficialmente do espaço, volta triunfante a este caminho. "A Humanidade nasceu na Terra, nunca foi dito que deveria morrer nela."

São quase três horas de projeção, realmente, não bebam muito antes da sessão.

EDIT: Uma atualização em 20/03/15

De fato, a ditadura da felicidade arruinou este que poderia ser um grande filme, mesmo, segundo matéria do io9.com:

Jonathan Nolan's much more straight-forward ending "had the Einstien-Rosen bridge [colloquially, a wormhole] collapse when Cooper tries to send the data back."

So no tesseract (that was Christopher's idea), no time manipulation, and no return home. Nolan didn't elaborate on this point, but we might speculate that the original end to the movie was as dark and unforgiving as space.

So it sounds like that would have been the end for Cooper. He would have sent the data without knowing if it had reached Earth or if the people back home would be able to use it. There would have been no reunion with Murphy and no raising babies with Dr. Brand. Cooper would try to be the hero, but he wouldn't get to see if he succeeded — none of this "love transcends dimensions of time and space" mumbo-jumbo.