quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Fim da Pará.Grafo

 Em setembro do ano passado, a Pará.Grafo editora fechou as portas. Seu website não existe mais, e seu instagram não tem sido mais atualizado. Uma pena. A (ótima) antologia Terror na Amazônia conta com um conto conjunto meu e minha queridíssima Ana Carina Santos. 

Fará falta.

A Ameaça do Contínuo - Intempol 2

Muitíssimo feliz de ter meu conto 'A Ameaça do Contínuo' adaptado pelo próprio Octavio Aragão e desenhado por André Flauzino para o volume 2 da antologia em quadrinhos da Intempol, projeto que tenho uma relação desde os primórdios, em fins de 90...

AadC tinha sido publicado somente no antigo site da "Empresa", infelizmente extinto há muito tempo, é muito bom vê-lo com uma segunda chance. :)

O álbum está previsto para este ano.




segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Dollhouse

Tipologia desconjuntada: antes de virar clichê em capa de livros, creio: mas aqui, está no tema.

Aviso: sujeito a SPOILERS.

 Dollhouse (2009) foi uma série menos conhecida, das criadas por Joss Whedon. Ele já tinha feito seus mega-sucessos Buffy e Angel, fracassado gloriosamente em Firefly, ainda estava a 3 anos de despontar como nerd god no primeiro filme d'Os Vingadores - e ainda não sabíamos de seu comportamento extremamente problemático em ambiente de trabalho.

A essa altura, Dollhouse é uma série que, para ele, talvez seja melhor continuar a ser esquecida: a premissa é a de uma organização secreta com tecnologia de ponta que, através de lavagem cerebral futurista adormece a personalidade de adultos e cola em seus cérebros quase vazios novas personalidades, com habilidades próprias, ou por vezes um remendão de ambos os conceitos, para o melhor desempenho. Desempenho em...? Pois é. Para o que quer que um cliente que muito bem pague assim precise.

Ou seja, esses 'frankensteins cognitivos' agem como desde médicos, ladrões sofisticados, cantores ou artistas marciais, até escorts ou namorada/os por um fim de semana, para depois serem devolvidos e terem as memórias apagadas - e aqui está o óbvio problema do conceito, desde antes que se mostre a primeira cena de Eliza Dushku na cama com alguém que, em coisa de um ou dois dias, ela jamais irá se lembrar do que, onde e com quem: na Dollhouse, eles não estão em um papel, eles são o papel que lhes é imposto. A presença de bonecOs, além de bonecas, não convence muito, ao meu ver, em caso de uma alegada equiparação: prostituição masculina, via de regra, é muito menos debatida na sociedade do que a feminina (e nem precisamos mencionar prostituição gay).

No final das contas, é uma série não só sobre exploração sexual de pessoas vulneráveis, mas sobretudo, de controle: cabe a leitura de um artigo do Mary Sue sobre como Dollhouse é a visão discriminatória que Whedon tem a respeito de mulheres, debaixo de uma capa de progressismo. Me é difícil discordar.

Do ponto de vista da Ficção Científica, a ideia do espião sem memórias que tem um jeito de compensar com habilidades que jamais teve não é novidade desde, ao menos, O Super Espião. Conceitos similares podem ser vistos em John Doe e mesmo na comédia Chuck (a impressão que tenho é que acabaram derivando do conceito da reunião de talentos geniais com personalidades e backgrounds singulares para uma dada missão, agora é uma espécie de "exército de um homem só" de habilidades múltiplas). 

A ideia de personalidades vestindo corpos que não são seus também é uma noção manjada, mais recentemente vista em Carbono Alterado (livro original de 2003; cuja ideia de estocagem em mídia física de memórias e personalidades reaproveitadas em um corpo posterior aparece em Dollhouse no ep. 1x10). Na recente Severance, a ideia da separação da vida no trabalho da de fora do trabalho é elevada a um novo patamar. A escravização/servidão de seres humanos de maneiras futuristas, vistas em filmes como A Ilha (clones para peças sobressalentes), o que faz lembrar a HQ O Mundo de Krypton (a versão de Byrne & Mignola, 1987-1988), em que clones eram mantidos inconscientes, também como depósitos de peças sobressalentes para seus originais, em caso de necessidade médica - em uma sociedade avançada e hedonista.

... mas não é novidade, mesmo...

Claro que a Dollhouse em si não é, possivelmente, uma organização 'do Bem', mas também não é apenas uma startup de cafetinagem high-tech. Conspirações com motivos sombrios são hit desde, pelo menos, Arquivo X

Os eps tendem a sempre dar um motivo, aleatório ou não, para a programação instalada nos 'Ativos' dar um pifa, especialmente em Echo, a protagonista de Dushku. Apesar da repetição da premissa, isso é uma forma de progredir o próprio plot, especialmente dado o número reduzido de episódios (já faziam 12 por temporada, na época, logo após a greve de roteiristas de '07-'08). 

Cabe dizer que tecnologias inventadas em FC não raro se tornam fonte de episódios inteiros, quando começam a funcionar de maneiras inesperadas, uma vez determinados - para o público, especialmente - os parâmetros sob os quais elas devem operar: ou, deveriam. A franquia de Star Trek tem seu quinhão de problemas com o teletransportador e, claro, o holodeck, para ficarmos em um exemplo manjado - inclusive, um sobre como não usar este tipo de artifício. 

Em Dollhouse, o imprevisto é sobre a capacidade de absorver e esquecer as memórias e personalidades implantadas, além de variações que não necessariamente os personagens desenvolvedores não conhecem, o que é válido, já que a tecnologia é inteiramente nova: e brincar sobre variações imprevisíveis de uma tecnologia inexistente não é novidade desde Isaac Asimov e suas 3 Leis da Robótica.

A primeira temporada serve para então apresentar os personagens, a trama, a tecnologia de impressão mental e seus imprevistos, episódio por episódio, sendo os imprevistos parte da fórmula do 'caso/monstro da semana', como em tantas outras séries. O finale quebra com o formato, jogando a trama 10 anos no futuro, no distante ano de 2019 (pois é...) e o elenco quase só com outros personagens, apenas para o episódio. Muita coisa deu errado até então, com a sociedade reduzida a escombros, uma vez que aquela tecnologia desenvolvida para a Dollhouse saiu do controle (eis uma cronologia do universo da série).

E tome de causar impressões...

A segunda temporada começa no tempo normal, com Echo/Caroline (Dushku) ciente de cada impressão de personalidade que ela já recebeu (após eventos perto do fim da temporada passada), após passar a 1a. temporada dando indícios que ela se esquecia cada vez menos dos ocorridos de suas identidades temporárias. 

Os personagens ao redor ganham mais espaço para serem desenvolvidos, mostrando lados mais humanos do que como foram estabelecidos na primeira, e o alvo é a matriz da conspiração, a corporação Rossum (uma referência assumida), por trás das Dollhouses. Goste ou não, há algumas reviravoltas aqui, é bom se preparar. Os cenários se diversificam mais, de situações ou localidades (a Dollhouse de Washington aparece, e os planos para a futura 23a. em Dubai são parte de uma trama): destaque para o episódio 2x10, "The Attic", onde finalmente tão citado e temido "Sótão" da casa é mostrado, sendo uma espécie de 'The Matrix' mas feito da maneira certa, e que ainda remete ao final da 1a. temporada.

Os dilemas apresentados ganham vários contornos, dentro das limitações de tempo por episódio/temporada: mas para o final da segunda (que se firma com o finale da primeira), temos a discussão sobre quem teria mais direitos de se ser: uma personalidade original, ou outra desenvolvida com o tempo, após passar pelas remodelagens impressas - algo nem tão diferente de Douglas Quaid de O Vingador do Futuro (1990).

Problemas no deck de voo da Galáctica...

Múltiplas interpretações pelo mesmo ator ou atriz sempre são divertidos de ver, e se o trabalho é bom, de se admirar, apostando na versatilidade de suas atuações. Os exemplos são vários, mas só pra citar dois de cabeça, Eddie Murphy vira e mexe faz isso em um de seus filmes, e Tatiana Maslany impressionou muito bem em Orphan Black. O elenco de 'Ativos' tem a oportunidade de fazer isto várias vezes e, francamente, achei divertido comparar. Falando no elenco, vários rostos com quem Whedon trabalha surgem, além de outros conhecidos, especialmente se você assistia séries da Fox daquele período.


Rostos whedonianos se reencontrando.

Conclusões finais? A série merecia mais. Merecia mais tempo para desenrolar e deixar um pouco mais claro os desenvolvimentos da tecnologia de impressão de personalidades, assim como toda a trama em si. Merecia ter seus atores com melhor disposição para trabalhar o alcance de papeis, por exemplo. Merecia, também, um pensar mais cuidadoso quanto às questões acima colocadas - em 2009 certos simancóis talvez já devessem estar melhor tomados.