Ontem dia 6 de Julho foi a Galacticon,
que falei mês passado. Meu amigo Ivo Heinz deu a palestra dele, e comentou que falaria sobre a
Caprica (2011), "prequência" de
Galactica (2004), falando de sua abertura.
É
uma das minhas aberturas favoritas, pois acho riquíssima de detalhes que apresentam o drama. Fiz uma análise que, espero, ele pode ter se beneficiado em sua apresentação. Vou repassá-la aqui.
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(0:01)
A câmera segue em um travelling contínuo até o último segundo, “sobrevoando” os núcleos principais da série: ela abre em uma cidade futurista, correndo para o prédio das Indústrias Greystone, o ambiente é automatizado e frio em tons esverdeados, e lá se encontra o empresário e cientista Daniel Greystone testando um protótipo cylon que, ao passar pela viga, transforma-se em sua filha Zoe, denotando a relação dela com os robôs. Uma segunda viga a “destransforma” para o cylon de novo, (0:12) mas passando por vegetação dando a impressão de um espinheiro, e a câmera avança por ela e revela, em cores azuladas e frias, um cemitério.
(0:14) Quatro personagens estão ali, dois homens, uma anciã e um menino. O homem à frente de chapéu está sobre uma lápide onde se lê Adama, que é o nome da família deles: ele é Joseph Adama, o pai e chefe da família, atrás, segurando um guarda-chuva, a avó, e ainda ao lado o filho William e o irmão Sam. Enquanto a câmera passa por esses dois, Sam põe a mão esquerda sobre o ombro, junto ao pescoço, de William, e afasta com a direita o paletó, revelando para a câmera antes dela sair que tem uma faca. A câmera busca a estátua de um anjo atrás dele e foca em sua mão estendida, e nova mudança de ambiente.
(0:25) A mão se fecha sobre um chip, as cores são quentes, e se vê duas personagens femininas dentro de uma igreja, uma mais velha e uma jovem: Clarice Willow e Lacy Rand. Clarice entrega-lhe o símbolo do infinito. A câmera passa por Lacy e nova mudança de ambiente.
(0:30) No topo de um prédio, com um VTOL decolando ao fundo, vê-se novamente Daniel Greystoke agora com sua esposa Amanda, a câmera vira por trás deles e vemos, entre eles, sua filha Zoe. Um zoom extra foca em um de seus olhos e vemos o brilho vermelho do olhar cylon, assim como o efeito sonoro característico. Há a primeira interrupção do travelling e temos a vista panorâmica de uma cidade futurista, fade to black e o logo da série surge, “Caprica”.
Avaliação:
A abertura sintetiza de forma primorosa em pouco mais de 40 segundos os núcleos e conflitos principais. Sob um certo aspecto, é um drama sobre duas famílias, logo no início de eventos que eles nunca terão ideia do que ocorrerá, nem seu papel na gênese de tudo, desenrolando-se décadas depois durante o massacre cylon, início da série anterior, "Galactica".
No primeiro trecho, sobre o que é a série: o nascimento dos cylons, Cybernetic Life-form Node; robôs para o combate. A transição com Zoe é a respeito da fusão de sua mente com as I.A. por trás dos robôs. Daniel Greystone também está ali não somente por ser um dos personagens principais da série, mas também mostra sua devoção para com seu trabalho, que na série aprendemos que está custando seu casamento.
No segundo trecho, a dinâmica dos Adama: em um ambiente lúgubre, a morte ronda esta família. A esposa e mãe, Shannon, e a filha e irmã Tamara morrem em um atentado logo no início da série. Ainda, a família e em seu passado eles próprios têm negócios rondando o equivalente da máfia. Ajoelhado e de costas para o resto, Joseph negligencia o filho, que cai sob a influência do tio, Sam. A passagem da câmera revelando a faca à cintura faz notar que é que um homem perigoso tendo influência sobre um jovem.
O terceiro trecho fala da questão religiosa e da manipulação da mesma pelas mãos da personagem Clarice sobre os mais jovens – ela é diretora de uma escola –, representada pela presença de Lacy. O símbolo do infinto é o símbolo dos Soldados do Um, fanáticos religiosos que provocam atentados terroristas: mas com o destino final de Lacy, isso pode ter mais significado do que aparenta, e inadvertidamente provocado por Clarice. Cabe notar que dentro da igreja está como se estivesse ventando e as cores e luzes quentes tremulam, como se estivesse tudo em chamas, senão ao redor, do lado de fora.
O quarto trecho volta aos Greystone, agora apresentando como núcleo familiar: elegantes e distantes, eles caminham no terraço de um prédio, e passam por sua filha Zoe no meio deles, sem em nenhum momento dirigirem-lhe o olhar, como se ela não estivesse ali. Ela também é negligenciada. Ela, por sua vez, olha direto para câmera, zoom in e sua fusão com os cylons é novamente sugerida.
A abertura fecha como abre, mostrando uma grande cidade futurista, antes do logotipo “CAPRICA” aparecer.
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Em um escopo maior, já foi dito que Caprica é um retrato dos EUA: Os Greystone, assim como os Capricanos, são ou tendem a ser representados por atores que encarnariam o padrão WASP. Os Adama, gente morena de Tauron, seriam algo entre latinos ou italianos, vistos de maneira depreciativa, com laços com o crime organizado. Infiltrando-se cada vez mais, uma religião monoteísta capaz de atos de terrorismo contra religião vigente, politeísta.
Pessoalmente acho que não fez sucesso por acabar fundindo dois gêneros que não pensa em apresentar normalmente: a sopa opera, ou novela americana, com seus dramas familiares de casamentos em crise e filhos problemáticos; e uma temática de ficção-científica. Pessoalmente eu lamento que tenha sido cancelada em tão pouco tempo.
Luiz Felipe Vasques
28.06.2019