segunda-feira, 8 de julho de 2019

Artemis

"Para Michael Collins, Dick Gordon, Jack Swigert, Stu Rosa, Al Worden, Ken Mattingly e Ron Evans. Porquê esses caras nem de longe recebem crédito suficiente." - Artemis, 2019. Ed Arqueiro.

Artemis (original em inglês publicado em 2017) é o novo livro de Andy Weir, escrito após Perdido em Marte, que até virou filme com Matt Damon. Desta vez, a Lua é o alvo.

No final do Século XXI, finalmente colonizamos a Lua: é Artemis, construída por um esforço inciado no Quênia, após atrair empresas particulares de astronáutica com uma política de impostos quase nula. Diversos laboratórios e indústrias se estabelecem em seus cinco domos interconectados (temos belos mapinhas abrindo o livro), assim como comércio, turismo, serviços e atividades ligadas a uma vida civil não tão especializada.

A trama tem alguns tons noir, ao envolver gente de baixo na pirâmide social com a nata, que ostenta fachadas de legalidade: a protagonista é uma entregadora que tem uma lucrativa atividade de contrabando de pequenas regalias para quem pode pagar. Desde cedo às voltas com encrencas junto à polícia por pequenos delitos, ela tenta cavar um lugar ao sol - e a chance surge quando um de seus clientes a contrata para um ato de sabotagem fora da cidade. A trama, a partir daí, escalona para outros elementos, como monopólios, carteis do crime (destaque para "O Palácio"...) e etc.

Há algumas semelhanças deste livro com o anterior. Ambos são centrados sobre os protagonistas, tipos bastante inteligentes, muito obstinados e com uma boa dose de humor ácido, cheio de opiniões sobre cada detalhe que testemunham, vivenciam ou lembram, e que através de sua prosa informal procuram atenuar o derrame de detalhes técnicos para o máximo de leitores possíveis, ambas afinal são obras de hard science fiction

Os domos da cidade Artemis: nomes de astronautas que desceram na Lua.

Ao repetir essas semelhanças, um probleminha: por mais que Jasmine "Jazz" Bashara, aqui, seja mulher de origem saudita com problemas financeiros e daddy issues, enquanto Mark Watney de Marte é um americano branco sem maiores desenvolvimentos de antecedentes - até onde eu me lembro, ao menos -; o discurso entre ambos varia muito pouco, e essa impressão piora porque em ambas as obras a narrativa é em primeira pessoa. 

Lá pelo meio do livro até dá pra sentir um pouco mais de diferença, já que a situação em que ambos se encontram é diferente, apesar de algumas semelhanças (essencialmente dois solitários contra um ambiente hostil, mas o caso de Mark é, indubitavelmente, bem mais literal do que o de Jazz). Mas não muita.

O grande destaque é a construção pelo autor da cidade de Artemis (implicância: por que não traduziram como Ártemis? O nome da deusa é proparoxítona, na verdade, então, em Português rola acento na antepenúltima sílaba). É um ambiente detalhado e crível, seja pelos detalhes técnicos, seja pela população descrita que a habita, multiétnica e internacional. É uma boomtown controlada atrás das oportunidades na nova fronteira, e detalhes de como a economia funciona são bem apresentados aqui e ali ao longo do livro, assim como a correlação com a história em si.

Assim como Perdido em Marte, a pesquisa feita pelo autor, egresso da área da informática, impressiona pelo grau de detalhamento. E aí está um problema. Apesar, como eu disse, dele usar o máximo de um linguajar informal para diluir uma carga informativa técnica, eu senti que a prosa fluiria ainda melhor se certos detalhes fossem menos explorados: se você quiser saber como cortar coisas com um maçarico em pleno no vácuo, vá em frente, esse é o seu livro. Essa tendência piora no trecho final de Artemis, quando arriscadas situações de vida ou morte ocorrem, e a trama necessariamente fica bem acelerada: pesquisa não substitui história. Mas isso não desmerece o resultado do livro, de forma alguma, eu o devorei em dois dias.

É, antes de mais nada, uma declaração de amor ao Projeto Apolo, que levou o ser Humano até a Lua. A dedicatória que abre o livro é justa: a todos os terceiros astronautas de cada um dos voos, do XI ao XVII, aqueles que foram até a Lua - mas nunca desceram, sendo os pilotos da missão. E ao desejo que, pelo menos nos 2080s (informação via artigo na wiki, eu jurava que seria fins de 2060, dado que é dito que Star Trek tem cerca de cem anos), já estaremos lá de volta, definitivamente.

Um bom livro para ser ler às vésperas do cinquentenário do Homem na Lua.

Artemis
304 p.
Editora Arqueiro