sábado, 20 de junho de 2020

Carnival Row


Carnival Row (2019 - )


Atenção: muitos spoilers a seguir.

Série disponível na Amazon Prime Vídeo, Carnival Row nos leva a um mundo de fantasia (wiki oficial em inglês aqui) que alcançou a Revolução Industrial. Existe magia, deuses, seres míticos como fadas, faunos, kobolds e etc - assim como máquinas a vapor, experimentos em eletricidade, dirigíveis de ataque, imperialismo das nações, (aparente) monoteísmo mainstream, racismo institucionalizado e estratificação social. Fantasia steampunk cai bem aqui.

A série é centralizada principalmente na cidade do Burgo, capital do país de mesmo nome, que o tempo todo tem ares da Londres vitoriana, com sua arquitetura, costumes sociais, religião, moda vigente e mesmo uma série de assassinatos sanguinolentos. A Carnival Row do título é a zona boêmia da cidade.

O conflito social e racial se dá de algumas formas: a guerra de expansão entre o Burgo e o temível Pacto, outra nação humana mas que pouco vemos, além de se mostrarem temíveis e cruéis inimigos, leva as fadas e outros não-humanos, naturais do continente e das terras que se tornaram o campo de batalha a buscarem refúgio na capital, onde são tratados como cidadãos de segunda classe sujeitos a subempregos ou contratos de servidão, gerando um problema de criminalidade, do tráfico de drogas à prostituição.

Burgo: pseudo-Londres vitoriana muito eficiente...

Como um espelho distorcido de nosso mundo, as referências históricas nossas estão lá: as nações conflitantes são de seres humanos brancos, ou brancos ao comando. No Burgo, há seres humanos negros, embora possam ser encontrados na nata da sociedade: é mencionado que entre brancos e negros já houve conflito e rejeição, mas isto havia sido superado. Afinal, cor de pele parece bobagem, quando existem pessoas com chifres e cascos ou asas para discriminar.

Entra em cena um dito romance proibido entre uma humana de alta classe e tradição e um fauno novo rico: o que não impediu de ser entre uma branca e um negro, pois não há exclusão de papéis nas espécies apresentadas. Este romance, portanto, envolve três conflitos: o social (o fauno novo rico se muda para uma vizinhança de 'gente de bem'), o entre espécies (humano e não-humano) e um que diz mais à nossa realidade do que à apresentada que é o entre etnias.

... de um mundo complexo e instigante.

Outro romance proibido, inter-espécies, esconde, na verdade, outro aspecto da discriminação que é revelado no passar dos episódios, quando o humano da relação descobre que é um meio-fada, e mestiços são desprezados pelos seres humanos.

Cabe notar que conflitos sociais e políticos têm tido maior destaque em tempos recentes, na produção de conteúdo fantástico para a TV/stream, sob a forma de alegorias ou utilizando metáforas mais pontuais. O filme Bright (2017) traz as raças de fantasia para uma Los Angeles atual de alta criminalidade, a mini Years and Years (2019) é 'near future' sobre a ascensão da extrema direita na Inglaterra, entre outros exemplo - e Carnival Row certamente não é exceção.

Ótimos valores de produção.

Um ponto que ainda gostei foi seu worldbuilding: mais do que espécies de vida exóticas e geografia de países imaginários, há uma direta influência no mundo como molda o personagem, define seus ódios e afetos, e pela interpretação dos atores somos levados a crer naquilo tudo - as duas dores de Vignette por sua amada biblioteca, por exemplo. O medo do povo fada diante de toda uma estrutura social que depõe contra eles. Tudo isto está bem conduzido.

Do lado negativo desta primeira temporada, alguns desenvolvimentos pessoais me pareceram apressados demais, provavelmente devido à temporada ter somente 8 episódios: o romance proibido de Imogen e Agreus me soou um pouco rápido para acontecer, assim como a revelação da verdadeira personalidade de Sophie Longerbane, o oposto do sugerido a partir de quando ela nos é apresentada.

No elenco: Professor Moriarty, ao seu dispor.

Do elenco, tudo considerado, todos estão bem, apesar de não exatamente excepcionais: Orlando Bloom e Cara Delevigne como o casal principal que acaba se reconectando após um início turbulento, em alguns pontos me lembrando, bem, Orlando Bloom e Kyra Knightley em Piratas do Caribe: tanto lá quanto cá o personagem de Orlando tem uma origem órfã rodeada de mistérios que leva a uma herança mista e lealdade dividida, enquanto sua contraparte amorosa se mantém virtuosa quanto àquilo e aqueles que ama, arriscando-se não importa o quê; apesar de, em si, tanto Vignette Stonemoss e Elizabeth Swann terem peculiaridades bem distintas, assim como William Turner e Rycroft Philostrate não serem definitivamente a mesma pessoa.

Faixa-bônus: Indira Varma, a eterna Niobe (sra. Lucius Vorenus) de Roma-da-HBO.

É esperar pela segunda temporada.

Recomendo.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Além do Universo



Assisti a Além do Universo (The Beyond, 2017), do diretor estreante Hasraf “HaZ” Dulull, baseado em seu próprio curta de 2014, Project Kronos (trailer deste, aqui). O filme é montado em estilo documentário/found footage, com atuações de entrevistas e imagens sempre como se fossem do arquivo de filmes feitos para alguma outra função, esta de natureza técnica. Cabe ainda a nota de que é um filme independente, com o diretor egresso da área de efeitos visuais.

A história ocorre ainda no Século XXI, a respeito de uma agência espacial de esforço internacional, e quando uma estranha anomalia surge próxima da Terra, gerando uma distorção gravitacional estranha. Descobre-se que é um buraco de verme que leva a um planeta em outro sistema solar, onde contato com alienígenas é travado. Estranhas esferas negras surgem sobre a superfície terrestre gerando medo e uma reação negativa dos países, mas no final, era tudo para a proteção da Humanidade, conforme acaba se revelando. 

O filme mistura diversas referências e influências. A ideia do “alien incognoscível” não é novidade desde 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968), assim como o voo por um túnel cósmico [idem, e ainda Contato (1997) e, mais recentemente, Interestelar (2014)] para encontrar os tais aliens com uma meia mensagem compreensível mas de fundo positivo, além de coisas nem todas explicadas.

Ainda acena para um tema relativamente recente, o transhumanismo, inserindo cérebros vivos em corpos totalmente artificiais, para que se pudesse mandar astronautas através das pressões gravitacionais dentro da anomalia e chegar ao outro lado.

Tudo isso considerado, tive problemas com o final, ao considerá-lo particularmente fantasioso, com a desintegração dos demais planetas do sistema solar e a criação de um gêmeo da Terra “ao nosso lado” – para o que vinha até então se apresentando como uma história inclinada ao hard. s.f., a coisa ficou over, ao meu ver. Ficou no ar – ao menos para mim – os aliens causavam a anomalia que em primeiro lugar trazia problemas para a Terra que eles puderam resolver, ou apenas aproveitaram o bonde, enquanto fenômeno natural? Isso tudo parece que segue as referências cinematográficas acima citadas, procurando também exibir todo um sense of wonder, mas me parece que erraram a mão.

Apesar disso, não deixa de ser interessante e visualmente bem caprichado, embora eu não sinta vontade particular de recomendar. Mas intrigou o bastante para produzir esta resenha.

Uma wiki aqui