AVISO: SPOILERS A SEGUIR
Silo (2023) se passa em um período pós-apocalíptico, onde dez mil seres humanos nascem, crescem e morrem dentro de um bunker subterrâneo de 144 pavimentos, com medo do que ocorre na superfície. Eles sobrevivem em uma sociedade estável, por pelo menos 140 anos após um cataclismo, embora não saibam muito mais além disso: uma facção revoltosa no passado arruinou seus registros computadorizados, e ninguém se lembra mais como tudo aconteceu antes - "e a tradição oral?" pode ser uma pergunta válida, mas sem tantos spoilers assim.
A construção do cenário é bem explorada, com uma sociedade focada em cada um fazer o seu trabalho, em um ambiente confinado. Podia ser a bordo de uma nave ou veículo de gerações, como em O Expresso do Amanhã, Ascension ou algumas outras, embora a referência pop mais direta hoje em dia seja a série de games Fallout, onde personagens despertam de um sono induzido após o mundo entrar em uma guerra nuclear nos anos 50. Outras referências ceeertamente incluem 1984, onde o Grande Irmão nunca deixa de velar pelo povo, embora este, aqui, não tenha a menor ideia do que está acontecendo. Ainda, a ideia de uma sociedade confinada com medo - especialmente o injustificado - do que ocorre lá fora é antiga, de saída lembrando Fuga no Século XXIII e, claro, THX 1138. Podemos também nos lembrar de Zion, o último bastião da Humanidade, na franquia The Matrix.
Logo se vê uma conspiração envolvendo assassinatos, que é o que move a protagonista, que quanto mais cava, mais se aprende sobre os detalhes da sociedade, tanto os às claras quanto os sombrios. É uma trama sobre o apagamento sistemático do passado, em prol da segurança presente - e de interesses não necessariamente justificados para todos. O controle da informação sobre o passado é pivotal na trama, o que leva a um diálogo com obras da FC como o já referido 1984, mas também, pelo pós-apocalíptico da coisa, com Um Cântico para Leibowitz e mesmo Fundação.
O Silo, como assim é chamado, tem seus diversos pavimentos conectados sobretudo por um grande eixo central, ao redor do qual há uma rampa helicoidal, e as passarelas de acesso. Tudo é cinza meio esverdeado, salientando o cimento que vivem. Na base, há os engenheiros e mecânicos que mantêm 24 horas por dia o maquinário necessário funcionando, em geral se considerando meio esquecidos pelos demais níveis. Não há veículos, no máximo porters, mensageiros que vivem indo pra cima e pra baixo levando desde mensagens a alguma pequena carga. A tecnologia é similar à nossa, mas com um quê mais atrasado, justificável em uma sociedade que dirige todos os esforços em se manter funcional. À vista e escondido de todos, um poder Judiciário controla tudo ajuda a manter a ordem na casa: relíquias do mundo pré-apocalipse são objeto de visitas desagradáveis da lei em sua casa - e por elas, percebemos que o que acabou com a civilização não parece estar tão longe de nossa época.
Em cada nível há uma cantina comunitária, onde um amplo monitor panorâmico transmite, 24 horas por dia, uma mesma imagem, advinda da única câmera montada no exterior, sobre a saída do lugar. A saída do Silo, aliás, é garantida a qualquer um que se manifeste com uma frase como "eu quero ir lá fora" - mas uma vez proferida, não há desistência possível. O sistema criminal americano é lembrado aqui, com toda uma cerimônia de preparar um traje de sobrevivência, como quem arma uma cadeira elétrica ou câmera de gás, assim como o cargo de xerife, e a tropa de choque da polícia. Outra característica que permeia por alguns diálogos é a mítica dos 'Pais Fundadores' dos EUA, no caso, do Silo, que 'sabiam do que faziam', mesmo quando deixavam todo mundo sem resposta para algumas tantas perguntas.
O que leva a uma questão: onde ficaria o tal Silo? Uma única ideia, nesta temporada, é oferecida pela observação anual de um personagem secundário, que detecta uma formação de estrelas, à noite - cuja natureza os habitantes do Silo também desconhecem -, em forma de um W meio torto, que ele percebeu que nunca desaparece e reaparece sob o horizonte ao longo do ano. O dábliu sendo, pra conhece, a constelação do céu setentrional de Cassiopéia. E se ela é perene, ou seja, nunca se põe, está a (pelo menos) 34o. de latitude norte. Fuçando na internet, é uma latitude que passa por Los Angeles, e além da Califórnia, pelos estados de Arizona, Novo México, Texas, Oklahoma, Arkansas, Mississipi, Alabama, Geórgia e ambas as Carolinas: escolha um.
Da data dos eventos, é incerto se a série seguirá os livros, que se passam em períodos diferentes. O primeiro livro é vago sobre o assunto, o mais recente dá o ano de 2.345.
A protagonista da história é levada por Rebecca Ferguson (a Lady Jessica no novo Duna), ainda constando Tim Robbins. O elenco manda muitíssimo bem em seus personagens, com seus próprios problemas e segredos, ajudando a tocar a trama em um ótimo andamento, até um final de temporada bem surpreendente: se isso lembra a vocês de decepções como Lost, compreensível. Mas me parece que aprendeu as lições do que não fazer. A princípio, já que encerra a temporada em... grande estilo, digamos.
Sir Friendzone, ainda suspirando pela aprovação duma lourinha...
A apresentação é particularmente estilosa, aproveitando a coluna central do Silo, ao redor da qual desce uma rampa e acessos por seus cem níveis, e tece comparações com uma colônia de cupins, a espiral do ADN, coluna vertebral, etc.
Silo é uma adaptação de um universo ficcional criado por Hugh C. Howey, que já rendeu escritos e uma graphic novel. Aliás, fandom wiki aqui.
Pela Apple TV+, eu espero que haja uma segunda temporada.