Assisti a Shin Godzilla (2016) e Godzilla Minus One (2023). A maratona kaijuística me mostrou dois filmes diferentes, dentro do velho tema - desde os anos 60 - do lagartão radioativo que invade Tóquio, com algumas similaridades (além do protagonista e seu passeio predileto).
Cabe notar ainda que ambos os filmes não pertencem ao título em andamento nos cinemas de rinha de kaiju (Godzilla vs Kong, Rei dos Monstros, etc.).
Em G-1, a história se passa nos primeiros fins da II Guerra Mundial e a capitulação do Japão, onde um ex-piloto de aviação chega em uma ilha de apoio e reabastecimento aéreo, com uma equipe de mecânicos à espera de qualquer ocorrência: logo fica claro que o piloto é um kamikaze que mudou de ideia na hora, e com essa vergonha ele vai ter que viver. Naquela mesma noite, Godzilla surge na ilha, e devasta a tudo e a todos, menos o piloto e o chefe dos mecânicos. É, entretanto, uma versão bem menor do titã a que estamos acostumados, ainda maior que um tiranossauro, mas também nem tanto. Eles sobrevivem e rumam para Tóquio, ainda arruinada pelo fim da guerra, onde perdem contato por alguns anos e boa parte do filme, que agora foca no piloto. Anos mais tarde, após a Operação Crossroads, de testes nucleares americanos conduzidos no atol de Bikini, Godzilla se torna o que esperamos ver e, pobre Tóquio.
O filme acaba sendo mais sobre a redenção do piloto, focando em um drama pessoal de reconstrução, nessa mesma Tóquio e Japão em seus difíceis anos do pós-guerra.
Estilosaaaaaço!
SG se passa nos dias de hoje, em uma moderna Tóquio onde, na baía, uma forma de vida gigantesca e desconhecida começa a atazanar a vida do cidadão comum. Ela saí do mar e começa a se empurrar pela superfície, molenga como é, pois é uma vida marinha, ganhando sustância através de uma das suas duas ou três "evoluções" ao longo do filme. Godzilla, aqui, é parte de um mistério biológico, tanto de onde ele veio (fundo do mar, alterado por detritos radioativos lançados no fundo do oceano), até como ele realmente "funciona": pois há períodos onde ele "desliga" ou desiste de avançar, o que dá uma pausa para a cidade respirar e procurar evacuar; e é nisso que o filme se destaca.
A seguir, em Ultraman
Ao contrário do anterior, bastante linear e convencional, aqui temos em cortes rápidos e sequências banais reuniões, reuniões e mais reuniões de escritórios, desde os do Primeiro Ministro até entre cientistas, técnicos e mesmo teóricos da conspiração: Godzilla agora se revela um problema político (o que pra mim foi um take originalíssimo). Não há um protagonista (humano) propriamente dito, embora dois personagens, com agendas próprias, talvez possam ser apontados assim.
Ambos os filmes tratam os EUA como um problema, na hora de solucionar Godzilla: em G-1, uma operação militar em larga escala - o Japão está sem nenhuma capacidade militar - pode deixar os soviéticos nervosos. Em SG, a solução americana é a do tacão, incluindo aí bombardear Tóquio com bombas H, tentando gerar mais calor, radioatividade e destruição do que o monstro consegue absorver - e não há certeza se vai dar certo. Tóquio, é claro, adeus.
Os dois filmes também tratam o próprio governo com desconfiança. Em G-1, há um governo excessivamente submisso aos EUA, e em SG, um onde, afinal, Godzilla virou um problema político e o qual leva muito tempo para decidir o próximo curso.
Let's go dieselpuuu-unk!
Por final, ambos coincidem em duas coisas: no tratamento dado "rebuild from scraps", reconstruir a partir dos restos, das sobras, especialmente em G-1, mostrando o Japão que se reconstrói ano após ano, refletido na vizinhança onde o ex-piloto passa a morar (vale destacar, a família que ele passa a ter). Em SG não há muita oportunidade de demonstrar isso, uma vez que a devastação final foi impressionante, mas nada em escala nacional: porém, esse espírito é mais citado nas falas de personagens. É algo que parece ser consciente, no imaginário daquele país. Adiciona-se a isso o espírito voluntário: em G-1, com a inabilidade do governo, a esperança está no voluntariado das pessoas comuns, especialmente quem serviu na guerra. Em SG, a ideia da "sociedade unida" é mais sutil, mostrando os grupos de trabalho e a ideia da participação de companhias, quando uma solução não - tão - destrutiva é tentada,
O que leva à segunda coisa em comum: a derrota - será? - de Godzilla pela inteligência, e não pela truculência: deixado claro, isto como preferiam os americanos.
Vai. Irrita mesmo.
O ritmo de SG pode não ser o mais frenético, e ainda o mistério bioquímico de Godzilla foi um pouco demais pra mim, mas ainda considero um bom filme. Sob um certo aspecto, pareceu que arrisca mais do que G-1 que, como disse, é uma narrativa mais convencional. Mas gostei de ambos.
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