terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Entrevista com o Vampiro (2022)

Para assistir sem medo!

AVISO: SPOILERS ABAIXO

Adaptações sempre são uma aposta. Algumas dão certo, outras é melhor nem lembrar. Havendo começado com o óbvio, Entrevista com o Vampiro foi a melhor série em se tratando de natureza fantástica que assisti esse ano - e isso contando com Silo (resenha aqui), Extrapolations e For All Mankind.

Dá a impressão que tudo aquilo que deu errado com Anéis de Poder se acertou aqui: e houve mudanças arriscadas, as mais óbvias sendo tanto a mudança étnica de Louis quanto atualizar a série, tanto no passado - que agora começa em 1910 - e com a segunda entrevista, que é hoje em dia: a entrevista original de Daniel com Louis está no passado de ambos os personagens, ocorrida no final dos anos 70 e que acabou de maneira, huh, conflituosa: em uma cobertura da moderna Dubai, Daniel comparece a  um convite de Louis, para retomarem a conversa interrompida décadas antes, e assim esclarecem diversos pontos que a entrevista original omitiu, transferindo a ação para a Nova Orleans de 1910 a 1930.

A vantagem de se ter uma adaptação para a televisão, em vez de um filme, é que não temos que correr com o prazo apertado de cerca de duas horas somente do filme: esparramados em diversos episódios de 40 ou 50 minutos, há tempo para as minúcias acontecerem e, se cultivadas de modo certo, reforçam aspectos centrais da trama, personagens e o mundo: a relação do triângulo Lestat-Louis-Claudia é demonstrada e desenvolvida em toda sua doença. Da mesma maneira, as décadas se passando mostram a mudança de costumes, porém a permanência das questões raciais.

A perfeita família disfuncional.

O elenco está simplesmente incrível: o casa de protagonistas exibe, como tanto foi notado, uma química excelente. Nesse aspecto, é uma adaptação bem fiel: no fim das contas, temos a visão do que aconteceu de Louis, e Lestat é - inevitável porém inegavelmente - mantido como o monstro misterioso, criador e destruidor, incapaz de remorso e agindo sempre sob interesses próprios. O Lestat de Sam Reid entrega exatamente isso, o tom de ameaça sempre a cada instante que surge, o lado brincalhão que sempre sublinhou a crueldade acrescentam personalidade junto do amor que sente por Louis - na versão, claro, de Lestat do que seja o assunto. Mas mesmo o boneco insensível que dá a impressão ser Lestat consegue-se aqui gerar um mínimo de empatia, ao citar sua origem e seu relacionamento com o vampiro que lhe criou: e que, mesmo apesar daquele terror, a ideia de abandono o aterroriza, o que ele acaba levando adiante.

A faixa do amanhecer, a fresta do caixão que abre, a mordida vampiresca: abertura sensacional de várias leituras.

Jacob Anderson, (conhecido do fandom como o Grey Worm de Game of Thrones) no papel do 'vampiro humanizado', vítima de seu criador, tem muito mais tempo para desenvolver Louis, ainda levando em conta suas origens mortais como um homem preto da Nova Orleans de 1910. com uma família que consegue enriquecer e ter uma boa posição social - tudo considerado... - mas que com que desenvolve uma relação cada vez mais conflituosa (não bastasse desaprovarem sua linha de trabalho), especialmente após o envolvimento com Lestat: a perda dos vínculos de afeto e sociais, que nos ajudam com nossa própria humanidade, são muito bem desenrolados aqui.

Bailey Bass, com apenas nove créditos como atriz segundo o IMDB, dá toda uma nova dimensão para Claudia, essa é uma atriz para prestarmos atenção quando seu nome aparecer. A personagem aqui mudou, inclusive, de idade - de novo: a Claudia original dos romances era ainda mais jovem do que a Claudia de Kirsten Dunst -, e a percepção de ser uma recém-adolescente eternamente pode ter uma realidade material ainda maior do que a percepção de ser uma criança eternamente, levando uma dose de drama. E é ela que será a grande fonte de oposição a Lestat, primeiro com seus desvarios encantada com sua nova condição, depois em frio cálculo e planejamento: novamente, tudo isso com a vantagem de se ter diversos episódios, em vez de somente duas horas de filme.

Psycho-cutie-cutie dos papais.

Agora, é Eric Bogosian com seu Daniel  Molloy velho, doente, sobrevivente do encontro original, um jornalista que acumula décadas de cinismo e acidez, e que não sabe quando parar - e não é de hoje - que contestamos quem é o protagonista aqui. As perguntas de Daniel, assim como suas colocações, não raro deixando que o trauma e o ressentimento de quarenta anos antes as guie, ajuda a guiar as memórias e a história que Louis conta - mesmo para o desgosto do próprio, por vezes. 

No fim das contas, Entrevista com o Vampiro é uma linda passagem de tocha, entre gerações, das adaptações de uma mesma obra importante para o terror, e que a própria autora elogiava: me deu a impressão que, algumas coisas, talvez ela tivesse querido ter escrito pessoalmente, lá atrás...

Esta série faz parte do mesmo universo onde se passa As Bruxas Mayfair de Anne Rice, de outra série de livro da autora. A ideia é uma mesma cronologia... espero que dê certo. Ambas as séries estão ainda apenas com sua primeira temporada.

Que venha a segunda!

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