quinta-feira, 3 de junho de 2010
Eu Sou a Lenda
Prosseguindo no meu périplo sanguíneo, li Eu Sou a Lenda, de Richard Matheson, que recebeu três adaptações cinematográficas: uma de 1964, com Vincent Price, outra de 1971, com Charlton Heston, e uma mais recente, com Will Smith. Não assisti a primeira, mas a impressão que se colhe é que há uma ordem decrescente em termos de qualidade do texto desde a primeira adaptação. Havendo visto as outras duas, posso concordar que estes dois pontos formam uma reta.
Matheson é um escritor e roteirista que escreve até hoje, desde os tempos do Além da Imaginação original. É seu o que talvez seja o mais famoso episódio, Nightmare at 20000 feet, refilmado no longametragem do cinema de 1986, e mesmo parodiado nos Simpsons. Para a série original de Jornada nas Estrelas, escreveu The Enemy Within, uma ótima história sobre a necessidade do equilíbrio entre o Bem e o Mal em um ser humano. Os ótimos contos que acompanham no livro a história-título dão uma boa idéia de seu talento como roteirista, é fácil vê-los como algum episódio de Além da Imaginação, The Alfred Hitchcock Hour, ou congêneres.
A edição é da Novo Século, 296 páginas, e traz a história-título do livro, e ainda mais dez contos de Matheson. Para quem não conhecia nada, é uma oportunidade ótima de conhecer a obra do autor.
O livro abre com a própria, e é uma história fascinante de loucura, dor e desespero. Em resumo, Robert Nelville é o último Homo sapiens da Terra, após uma epidemia ter se alastrado pelo planeta e transformado, quem não morreu (de vez), em criaturas movidas pelo desejo de sangue. Ele se aquartela, noite após noite, em sua casa, fortificada contra ataques daqueles que, toda a noite, surgem para tentar pegá-lo. De dia, faz a manutenção dos estragos externos da noite anterior, procura novos víveres, e sai à procura de vampiros, dormindo, para liquidá-los. A sanidade de Nelville é corroída dia após dia, entrando em uma espiral auto-destrutiva envolvendo álcool e ataques de fúria, uma vez que parte de si se questiona, continuar para quê?
Talvez essa exploração do comportamento de Nelville seja o ponto alto do livro. Ele se torna alguém que qualquer um temeria, só de se deparar - conquistar a confiança de alguém como ele (e verdade seja dita, em um mundo como aquele), só se um pouco de força física estiver envolvido - leiam, e entenderão: como em Frankenstein, monstro quer afeto.
Por monstro, percebam: nem a civilização que ele se faz cercar - sua casa é o último baluarte disto, com luz elétrica, carro, música clássica à noite entre outros confortos e necessidades - o impede de se brutalizar. Era, afinal, alguém sozinho, que mesmo na ameaça noturna cotidiana, liderada por um conhecido quando vivo, podia encontrar o conforto da familiaridade.
Essa inversão de papéis progride até um final surpreendente, com questionamentos a respeito de normalidade.
Meus únicos poréns cercam a respeito de uma certa lógica interna - que não vou explicar para não estragar ainda mais - assim como um andamento entre a parte 3 e parte 4 da história: pareceu-me que há um salto no tempo indevido. Mas não é nada que desfigure essa grande história.
Para quem não conhece Matheson, o livro ainda traz dez contos, como disse acima:
Talentos Enterrados é simplesmente estranho, uma estranheza que desafia gêneros pré-estabelecidos.
O Quase Defunto e O Funeral são as histórias mais bem-humoradas - e se passam em funerárias.
Dança dos Mortos conta, em um futuro pós-apocalíptico, uma perturbadora história de mortos-vivos e um quê de "juventude transviada". Recebeu uma adaptação para a tela pequena alguns anos atrás.
Casa Louca se aproxima da história-título, ao enfocar um protagonista viciado em seu mau-temperamento, ao ponto de se infligir machucados inconscientes ou quase - fora como ele influencia o ambiente ao redor. Aproxima-se bastante da história-título, no aspecto da fúria autodestrutiva.
Dos Lugares Sombrios contrasta o que há de mais primitivo com o que há de mais civilizado, interna ou externamente. Sexo e magia negra do bom.
De Pessoa para Pessoa encerra o livro, com outra história que facilmente podemos visualizar em preto e branco, como em um episódio de uma série antiga. Loucura, vozes na cabeça, e um toque de humor negro.
São estes histórias que giram em torno de desespero, angústia, fúria, dor física e sangue. A prosa é rápida, como convém a um roteirista.
Uma última ressalva é que o livro merecia ser melhor cuidado. A edição da Novo Século derrapa com a tradução ("Fácil como uma torta!") e a revisão ("Begone, Van Helsing e Mina e Johnathan e os olhos injetados do Conde Drácula!") aqui e ali.
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2 comentários:
Li este livro e achei muito bom, com suspense e uma ideia central interessante.
Só assisti a versão do Will Smith, que ficou uma droga com seu final "Jesus Cristo salva o mundo".
Até mais.
Para mim, não só o final, mas a versão inteira deixa a desejar...
O final da do Heston ao menos deixa a coisa mais em aberto, acaba tão bem qto. dá.
Gostaria de assistir a versão com o Price algum dia.
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