terça-feira, 21 de agosto de 2012

Frankenstein ou o Prometeu Moderno


Frankenstein ou o Prometeu Moderno - Editora Nova Fronteira (2011)

Já foi dito que, se Julio Verne e H. G. Wells foram os pais da Ficção-Científica, Mary Shelley foi a mãe.

A moça em questão escreveu Frankenstein ou o Prometeu Moderno, que acabei de ler pela primeira vez. Mil coisas na cabeça... a primeira sendo: esqueçam os filmes, a viagem do livro é uma própria. Como bem me disseram, talvez seja a diferença entre "baseado em" e "inspirado por". Os elementos que se associaram ao imaginário popular se deve aos filmes da Universal, onde em um castelo isolado um cientista desprezado pelos seus pares, tendo como único assistente um corcunda abrutalhado, desafia o que ele chama de convenções engessadas contra o progresso da Ciência e, em uma noite tempestuosa usa os relâmpagos para reanimar um corpo composto de diferentes cadáveres, em uma das mais antológicas cenas do cinema. Seu sucesso acaba se tornando sua ruína.

A ruína e a eletricidade estão presentes. Mas, salvo a solidão, esqueçam o resto. Pode ser um pouco decepcionante: anos atrás eu lera O Diário de Frankenstein (1980), que se baseia mais no universo composto do cinema do que na obra de Shelley. Todas as referências vão pelo cinema, onde quer se vire - mesmo o filme com Robert deNiro toma suas liberdades.

Young Frankenstein' and Gene Wilder's Neighing Legacy - PopMatters
Não este Frankenstein.

Então, privado do histrionismo eletrodinâmico, castelos decrépitos e turba enfurecida, o que nós temos?

Uma história sensacional, com diversas possibilidades de leitura e interpretação.

Existe um fascínio todo próprio, ao meu ver, na figura de Frankenstein - Victor, não a Criatura, esta nunca teve um nome, na verdade - enquanto homem de Ciência. É contado como ele, jovem, deixa-se inspirar pelos livros de filosofia natural de Cornellius Agripa, Paracelsus e Albertus Magnus: sábios medievais que, apesar da falta de tecnologia da época, nunca deixaram de investigar fenômenos naturais, ponderando sobre o que causava, recheando as explicações que davam com uma boa dose de observação, intuição e tremenda imaginação.

Ao prosseguir para a Academia, Victor se vê despojado de seus heróis do conhecimento, ao ser ridicularizado por um dos professores, enquanto que outro, mais atento às sensibilidades e sede por conhecimento, orientou-lhe mais gentilmente no Bom Caminho. Já havia tido uma certa perda de fé anterior, quando um relâmpago destrói um grande carvalho próximo de onde morava, e o fenômeno foi-lhe devidamente explicado por um naturalista mais atualizado em como o mundo funcionava; Victor mergulhou em seus estudos, fascinado pela ideia da relação entre tecidos animados e galvanização. Dado o tempo e obsessão no que acaba se envolvendo, ele acaba criando sua forma de vida particular.

É essa transição entre o mago e o cientista, para mim, um dos aspectos mais fascinantes do livro. No Século XVIII, a Ciência mais e mais se calcava em fatos obtidos através de experimentações, ao invés de observação e especulação dos períodos anteriores: a tecnologia havia progredido, para tal. E eu acho que Victor Frankenstein desempenha estes dois papeis.

Victor, o cientista, aprende a instrumentação e inteira-se sobre o mundo da Química qual havia na época, em que sua educação superior podia ter acesso. Em nenhum momento ele discute teorias radicais - como, nos filmes, é dado a crer - com seus pares, nem é expulso da Academia. Entretanto, Victor, o mago, o discípulo dos filósofos naturalistas do passado, que em sua adolescência chegou a tentar evocar espíritos e realizar rituais, consegue o impossível.

Boris Karloff: icônico, se por mais nada.

Uma coisa que notei foi a presença de diversos cenários naturais ao longo da história. Penso se não há  outra dualidade presente aqui: a Natureza é retratada como eco do estado de espírito dos personagens, tanto na alegria quanto na tristeza, e sobretudo, na solidão (há uma ótima passagem assim logo antes de Victor reencontrar Criatura em Genebra, onde a majestosa vastidão ao seu redor ecoa em sua solidão, elevando seu espírito).

Da mesma forma, ela é retratada tanto em sua beleza (os lagos e montanhas suíços) quanto em sua fúria (as vastidões geladas e traiçoeiras do Pólo Norte), mas mesmo na pior tempestade, de alguma forma ela pode vir a ser fonte de inspiração: mas quando se cruza certos limites, e força-se o controle das leis Naturais a um tal ponto, as coisas realmente ficam feias.

Futurama nails it again.

Em um terceiro ponto, parece notar que a vida natural, sob um certo ponto, é mais saudável, mais feliz. Conhecimento obtido gera angústias, dor e inquietações: Frankenstein era feliz com seu pseudo-aprendizado científico, e a Criatura não sabia o quão miserável realmente era até se ilustrar, e as interações fracassadas com a Humanidade minam-lhe a índole e a boa vontade. Está aí, vejo eu, o debate nature x nurture, ou: o Homem é bom, por natureza? A vivência o corrompe? Ou a medida está entre algo instalado na ROM de cada um e as escolhas que se faz, dia a dia?

Apesar de um tom sombrio que o romance lança sobre a Ciência, é dito que Mary Shelley era bastante otimista sobre o assunto, ainda que desaprovasse o que ela via como excessos de cientistas, isoladamente. Dentro da alusão mitológica de Prometeu, o titã que deu o fogo à Humanidade, há ainda relacionado a ele Pandora, a primeira mulher, que em uma caixa trazia todos os males do mundo: havendo sido aberta, os males escaparam, mas a tampa foi fechada a tempo de conter a esperança, ou ainda, a providência, a capacidade de raciocinar sobre o futuro, causas e consequências. Omitir-se ou renegar, qual o que Frankenstein fez com sua paternidade, não é opção.

E isso vale em qualquer época.

Frankenstein ou o Prometeu Moderno
248 p.
Editora Nova Fronteira - Coleção Saraiva de Bolso.


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