domingo, 16 de janeiro de 2011

Os Filhos de Matusalém

Os Filhos de Matusalém (1958)

Aviso: spoilers abaixo.

Terminei Os Filhos de Matusalém, de Robert Heinlein, em edição da extinta Francisco Alves de 1978.

É, até onde entendi, o primeiro livro onde figura um dos principais personagens, senão o principal, do autor, chamado Lazarus Long.

A história é sobre o drama passado pelas ditas Famílias Howard, que vivem séculos antes de morrer, por terem começado um processo de escolha de parceiros conjugais baseados na longevidade de seus antepassados. Em 2125, eles resolvem ir à público e revelar sua condição, e a reação popular é a pior possível: ninguém acredita que não haja uma "Fonte da Vida Eterna", e logo eles perdem seus direitos civis mais básicos, como coerção para que entreguem o segredo. Dissecação está à vista. O jeito é fugir do sistema solar, roubando a primeira nave construída pela Humanidade a destinada a explorar as estrelas, vencendo os anos-luz, e torcer para encontrar um mundo adequado. 100 mil pessoas reunidas em um autêntico campo de concentração se atulham na nave, e fogem.

Alguns tantos anos se passam, e eles se deparam com dois planetas com possibilidade para a vida.

No primeiro, há uma raça que os acolhe bem, e apesar das diferenças de linguagem e mentalidade, a situação é bastante pacífica - até que fica claro que os deuses dos nativos existem, e na verdade estes são como os animais de estimação de entidades que não se revelam, ou não podem ser reveladas. Fica claro que os humanos não são material para serem animais de estimação, e o poder dos deuses faz com que os 100 mil partam em sua nave, sem conflito algum.

No segundo sistema solar, uma raça com grandes poderes telepáticos também os acolhe, e oferece uma bela paisagem verdejante onde não há falta de alimento ou de nada: a aparente falta de cidades ou tecnologia oculta uma raça que conhece matemática e biologia a tal ponto que a mera vontade canalizada consegue originar novas espécies a partir do que é existente. E ainda, suas consciências são coletivas - algo que aterroriza os protagonistas, especialmente quando uma humana, longeva porém preocupada com a morte, resolve se deixar levar pela coletividade e se funde mentalmente com a raça.

Estabelecido ainda que o paraíso é uma chatice quando não há nada a fazer, a volta para casa é planejada. Nem todos vão, é da escolha de cada um, e os que retornam o fazem 75 anos depois que fugiram. Entre a longevidade e questões relativísticas, para eles não passou tanto tempo assim.

Spoilers o suficiente depois, então, questões...

Heinlein, de formação de Exatas, passa algum tempo com os personagens em cogitações técnicas e científicas a respeito de velocidades acima à da luz. Sendo tudo novo para o gênio de bordo (Andrew Jackson "Slipstick" Libby, outro personagem recorrente de Heinlein), que constrói o mecanismo de navegação FTL - algo inédito ainda para a Humanidade -, dúvidas e elocubrações sobre a natureza do que estavam fazendo surgem o tempo todo. Sob um certo aspecto, o personagem está só (ainda que não sintamos, como leitores, esta solidão), pois suas dúvidas podem ser apenas expressas aos demais em linguagem cotidiana, o que, é claro, não faz ninguém entender realmente o problema. Como me disse um amigo, aliás físico, 'o mapa não é o território'. Não me meti a querer entender os problemas propostos por Heinlein, e fui adiante. Mas isto não atravanca a leitura, nem se torna assunto recorrente ou que se dependa a compreensão para usufruirmos a história.

O triunfo do indivíduo genial, parte da filosofia típica americana e que Heinlein adota sem o menor problema, está lá - especialmente na figura de Lazarus Long. O velho individualismo humano faz com que 'deuses' expulsem os homens de um planeta, e o conformismo aparente de um paraíso material e a diluição em uma mente coletiva são anátema para tal... olha, até aqui eu sou capaz de entender. Mas ai vem o final.

O final me incomoda. Porque mostra que essa mesma mentalidade, tão desafiadora a princípio, na verdade junta-se com uma visão bastante conservadora. Então, a noção de viajantes que fogem para sobreviver e que passam pelo ineditismo de dois primeiro-contatos com inteligências alienígenas (experimentando ainda situações de convívio) terminarem a viagem, quando de volta à Terra, preocupados em exigir seus direitos e recuperar sua propriedade privada... parece-me de uma mediocridade sem par.

Tirando isso, é um livro que diverte, oferece idéias poderosas por trás de tudo, a descrição dos alienígenas como algo realmente alienígena e como tentar lidar com diferenças insolúveis é bastante inspirador... o leitor brasileiro poderia ser beneficiado com uma futura edição com nova tradução, a deste volume eu acho que já caducou, assim como a mentalidade de quando foi escrita.

Os Filhos de Matusalém
216 p.
Ed. Francisco Alves

Um comentário:

Jorge Ramiro disse...

É um bom livro, eu comprei pela Internet. Agora tudo que você pode comprar na internet, no outro dia eu comprei um cercado para cães através da internet.