domingo, 23 de janeiro de 2011

Outros Brasis


Outros Brasis, por Gerson Lodi-Ribeiro (2006)

Terminei Outros Brasis, de Gerson Lodi-Ribeiro. Havia comprado na mesma noite de lançamentos que A Mão Que Cria, resenhado logo abaixo, mas que só agora pude ler.

A ficção-científica apresentada no livro é do tipo da História Alternativa, que se baseia em outros resultados através da História que resultam em situações diferentes: começa com uma pergunta, e se... Napoleão não tivesse sido derrotado em Waterloo, o Eixo tivesse vencido a II Guerra Mundial, Constantinopla não tivesse caído para os Otomanos, Júlio César sobrevivesse ou evitasse o atentado mortal no Senado - claro, processos históricos não se dão ao acaso - embora o acaso sempre possa estar à espreita, sabe-se como influenciando este ou aquele grande evento.

O livro apresenta duas possibilidades de Brasil, em O Agente de Palmares e Pax Paraguaya, com duas histórias cada. Em ambas, processos históricos outros levaram ao desmembramento do território do país - e estes são mundos melhores para sua população.

No Brasil de O Agente de Palmares (O Vampiro de Nova Holanda, Assessor para Assuntos Fúnebres), a conquista holandesa se firma em Pernambuco e arredores, aliás Nova Holanda, sob a regra benevolente de Maurício de Nassau, e os quilombos de ex-escravos se consolidam em uma nação à parte, a República Palmarina, aliada com Nova Holanda. Ambas são demonstradas como sendo progressistas, contra um Brasil luso atrasado. Palmares já foi reutilizada pelo menos uma vez, se não me engano na coletânea Outras Copas, Outros Mundos (editora Ano-Luz, 1998). Na primeira história, há uma descrição do Recife dos 1700 modernamente urbanizado que valia ser retratado visualmente.

O protagonista-título é uma criatura vampiresca, uma raça humanóide de origem antiga e incerta, que ao contrário do vampiro tradicional, reproduz-se entre machos e fêmeas de sua própria espécie e não se transforma em animais, vapor ou coisas do tipo, embora tenha armas naturais e força sobre-humanas. Dentes-Compridos é seu nome, nascido no auge do Império Inca, e com os séculos, acaba tendo um entendimento especial com os Palmarinos, passando a um emissário, digamos. É dele também Assessor para Assuntos Fúnebres, ambientado na Londres do Século XIX, quando é mostrado o seu encontro com ninguém menos que Jack, o Estripador.

Ambas as histórias contidas n'O Agente de Palmares são interessantes e aventurescas. O Vampiro de Nova Holanda introduz rapidamente dois personagens que, infelizmente, pouco participam muito da história, a princesa banto Amalamale e o espadachim francês Phillipe Bergerac. Espero que em futuras expansões eles tornem a aparecer, assim como outros personagens. Assessor para Assuntos Fúnebres aumenta as possibilidades do universo ficcional, mas eu não senti que tenha acrescentado tanto assim para identificar aquele Brasil alternativo.

Mapa da América do Sul em Pax Paraguaya
gentilmente cedido pelo autor. Clique para ampliar.

Pax Paraguaya utiliza dois pontos de divergência histórica para sustentar sua tese: a de que os EUA se tornam um país recluso após sua Guerra Civil e que o Paraguai vence a Batalha do Riachuelo, abrindo mais tarde a oportunidade de derrotar a Tríplice Aliança; passando este Paraguai triunfante a moldar o destino do Século XX a partir disto, em um mundo bem melhor, via de regra, do que o nosso.

O otimismo excessivo desta visão é admitido, no meio da trama d'A Ética da Traição, quando o Brasil e o mundo observados - os nossos - da realidade alternativa aqui apresentada admitidamente têm mais chances de ocorrer: mais pobres, mais injustos, mais medíocres. Tenho a impressão que o autor utilizou parte de algum ideário próprio para provocar este pequeno exagero, que servirá de mola para a tal 'ética da traição' do título.

Pesquisar o período sobre o qual irá se divergir é boa parte da diversão sobre o que vai ser escrito, e tenho certeza que querer compartilhar esta com o leitor também. Há uma tendência, portanto, a um didatismo talvez o autor tenha sucumbido. Não me afetou muito, na verdade, tive mais problemas com o detalhamento técnico de observações e viagens no Tempo envolvido na história -- embora ela não seja sobre isto, e sim, sobre consequências de um conflito ético que realmente faz pensar.

Crimes Patrióticos precede A Ética da Traição, e na forma de um atentado político, abre o universo alternativo de Pax Paraguaya. Bem mais curta, interessante à sua maneira, com dilemas e obsessões de dois homens indo cumprir seu dever. Na verdade, assim como Assessor..., esta história apenas dá um gostinho de quero mais para ambos Brasis.

No geral, o saldo é bastante positivo, sim, e entendo que, ao lado de O Vampiro de Nova Holanda, A Ética da Traição é uma de suas histórias mais famosas: Outros Brasis traz ao público brasileiro uma chance recente de poder ler ambas.

Outros Brasis
207 p.
Editora Mercuryo

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